terça-feira, 27 de agosto de 2019

PERDENDO O PROTAGONISMO

 BRASIL NÃO PODE PERDER PROTAGONISMO NAS AÇÕES EM DEFESA DA AMAZÔNIA

Em vez de polemizar com líderes estrangeiros, governo deveria ter apresentado plano de emergência e coordenado esforços com países que compõem Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) para minimizar o impacto da crise.
Fogo na Floresta Amazônica no município de Altamira, no Pará; governo brasileiro decidiu recusar dinheiro oferecido pelo G7 para combate de incêndios Foto: VICTOR MORIYAMA / AFP / Greenpeace
Fogo na Floresta Amazônica no município de Altamira, no Pará; governo brasileiro decidiu recusar dinheiro oferecido pelo G7 para combate de incêndios Foto: VICTOR MORIYAMA / AFP / Greenpeace

O dano já está feito. Cabe discutir agora como o Brasil deve correr atrás do prejuízo e reorganizar a sua estratégia regional e internacional sobre o modelo que almeja para o desenvolvimento sustentável e a proteção da Amazônia.
A existência de interesses internacionais e a cobiça sobre os recursos da região são conhecidos há tempo. Assim como é incontroversa a tese de que os principais concorrentes do Brasil no comércio global procuram, quando podem, fustigar o país para tomar espaços nos mercados mais dinâmicos da Ásia, Europa e América do Norte pregando, no produtor brasileiro, a pecha de desmatador.
Contudo, é preciso calibrar o foco. Uma guerra diplomática de acusações e de versões não rende nada ao país. O Brasil é uma potência ambiental e, ao mesmo tempo, é uma potência agrícola. Desde a Eco-92, temos sido bem-sucedidos em conjugar esses dois importantes instrumentos, ganhando mercados e liderando importantes discussões da agenda internacional sobre o desenvolvimento sustentável, sem efetuar quaisquer concessões a nossa soberania nacional.
Nesse sentido, o país se tornou um ator incontornável em ambos vetores. A quebra desse equilíbrio só tende a prejudicar os nossos interesses. Para seguir ganhando escala no comércio global, o agrobusiness brasileiro irá depender da combinação de dois fatores: capacidade de preservação do meio ambiente e o emprego de novas tecnologias.
No entanto, é importante no momento reavaliar os erros estratégicos cometidos e deles extrair importantes lições. O primeiro equívoco foi o Brasil ter desistido de sediar a 25º Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP25). O evento que seria realizado no país, foi parar no colo do Chile. O Brasil não apenas criou um vácuo de poder, mas abriu mão de modular as narrativas e o processo decisório sobre a governança dos temas ambientais e, de quebra, rifou a sua liderança para terceiros.
O segundo erro foi anunciar que o Brasil sairia do Acordo de Paris e recuar após ser pressionado dentro e fora do país. Isso serviu para agravar a percepção sobre o curso das políticas ambientais que o governo brasileiro iria implementar. Em política internacional “percepções” importam e não se pode ignorar o seu efeito.
O terceiro pecado foi anunciar o cancelamento da realização da Semana Climática América Latina e Caribe da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em Salvador, Bahia, e depois voltar atrás. Ao comparecer ao evento, na semana passada, o ministro brasileiro do Meio Ambiente levou uma saraivada de vaias.
As constantes contradições em tema tão nevrálgico e de elevada capacidade de mobilização têm exposto a estratégia do governo ou a falta dela. A descoordenação governamental sobre como endereçar a matéria no contexto regional e internacional tem mobilizado cientistas, setor privado, ONG’s e agora países contra o Brasil.
O discurso anti-conservacionista incendiário produz consequências práticas. Os desmatadores ilegais antecipam um provável afrouxamento da fiscalização e acelera-se o problema que se procura combater. Ademais, a crítica às ONGs poderia se concentrar na cobrança por resultados em vez de, simplesmente, definir bodes expiatórios ou adversários.
Uma vantagem comparativa que temos se reverteu rapidamente em uma desvantagem. O Brasil está concedendo argumentos até para interesses retrógrados em outros países. No fundo, o presidente francês aproveitou a deixa para fazer um discurso protecionista se blindando na proteção da Amazônia.
Quando se alude a arranhaduras na "imagem internacional" isso significa, na prática, potencial perda de negócios, fuga de investimentos, desemprego e declínio de renda – e perda de latitude política. O Brasil tem o menor custo de transição para a economia de baixo carbono no mundo. Pois, é até antieconômico não proteger a biodiversidade.
Esse episódio revela, no fundo, o grau de anacronismo do processo decisório da diplomacia ambiental brasileira. É preciso que o Brasil lidere a discussão sobre a Amazônia e não ser liderado. Em miúdos, isso significa não deixar vácuo por falta de ação, iniciativa e liderança para que o G7 ou outros atores tomem as rédeas.
Ao invés de ficar batendo boca, o Brasil deveria ter apresentado um imediato plano de emergência e coordenado os devidos esforços junto aos países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) para tentar minimizar o impacto da crise.
Como maior país da América do Sul e detentor de maior parte da floresta amazônica, o Brasil é quem deveria estar à frente propondo iniciativas e não assistindo ao presidente da Colômbia, Ivan Duque, assumir o protagonismo e sugerindo um “Pacto Regional de Conservação da Amazônia” a ser levado à Assembleia Geral da ONU, em poucas semanas.
Seria erro crasso o Brasil perder a narrativa e a iniciativa sobre a Amazônia. Até mesmo para que não seja admitida nenhuma iniciativa visando à relativização ou flexibilização sobre a soberania da Amazônia.
Hussein Kalout é cientista político, professor de relações internacionais, pesquisador da Universidade Harvard e Integra o Advisory Board da Harvard International Review. Foi Senior Fellow do Center for Strategic and International Studies (CSIS) em Washington,DC, e Consultor da ONU e do Banco Mundial. Serviu como Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018). Cofundador do Movimento Agora!, foi membro do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e presidente da Comissão Nacional de Populações e Desenvolvimento (CNPD).


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