segunda-feira, 16 de agosto de 2021

A SEDUÇÃO DA FRAGILIDADE


Istambul se parece com Nápoles que se parece com Salvador. Igrejas ou mesquitas mil. Ao fundo de qualquer beco, sempre o mar. Ilhas. Do Príncipe, Capri ou Itaparica. Lixo, trânsito caótico, gritos, pivetes, buzinas e muita, muita identidade.


Sai, maravilhado, do malcuidado Museu da Caligrafia. Estou com fome e não pretendo sentar em mais uma destas armadilhas para turistas. Lá vou eu descendo a ladeira após ter-me perdido, mais uma vez, ao atravessar o labirinto do Grande Bazar. É uma rua bem popular. Centenas de lojinhas vendendo geladeiras, frutas, livros, torneiras, kebab e calçados. O preço vai depender de seu aspecto e de sua lábia. Tem muita lanchonete, muito restaurante. Torço o nariz: um é muito escuro, outro não aparenta muita higiene...

Finalmente um estabelecimento cuja entrada ostenta um imenso balcão frigorifico com uma bela variedade de pratos. Vou poder escolher sem precisar falar. Sento numa mesa de fórmica para quatro. Um casal já está sentado e, na minha frente uma senhora.

O garçom vem e algo me diz. Pânico! E agora?
“Ele pergunta o que você quer beber” informa minha vizinha em perfeito inglês. Após os tradicionais inícios – De onde é? Já esteve na Turquia antes? Quantos dias? - a conversação toma outros rumos. Observo discretamente que ela deve passar dos sessenta. Turca com certeza, mas pelas feições, vinda de muito ao leste do país. Maçãs do rosto bem acentuadas, nariz pequeno e reto, cabelo entre louro e branco, mãos finas acostumadas a usar talheres com natural educação, vestida de forma tão elegante quanto discreta. Fala com calma, adivinha-se que fora muito bonita, sedutora, com forte personalidade.

Não estranha eu vir do Brasil. Já estivera no Rio com o marido, arquiteto americano. Moraram três anos em Marrakesh, doze nos Estados Unidos. O marido faleceu, os dois filhos ficaram em Nova-Iorque. “Sou costureira. Já tive três ateliers. Um aqui, outro em Antália e o terceiro em Ankara. Mas agora aos oitenta e três, não quero mais correr. Só fiquei com o de Taksim”.

“Nasci neste bairro, mas imagine que só hoje descobri uma rua que ainda não conhecia! Todas as lojas vendem unicamente objetos de madeira. De palitos a armários. Você tem que ir. Aliás, vamos sair juntos, eu lhe indico o caminho. ” Pequena, de corpo esbelto, andava de passo firme. Parou numa esquina e me indicou: Esta é a rua. Bom passeio! Antes que pudesse me despedir, ela tinha desaparecido na multidão tal um leve perfume de verão.

Fiquei como desequilibrado, frustrado com a fugacidade deste encontro. Tínhamos tecido, numa hora de conversa, fios invisíveis unindo experiências e emoções semelhantes. Nossos barcos, âncoras de vidro, balançaram ao ritmo das mesmas ondas...
Dimitri Ganzelevitch 

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