sábado, 14 de agosto de 2021

A SÍNDROME DE "Ó PAI Ó"

Achei por acaso este texto esquecido no meio de algumas outras centenas... 

 


A poeira do carnaval não assentou e já enfrentamos a realidade, longe dos confetes que os garis acabam de varrer. Em breve chegarão as chuvas a comprovar a generosidade do ex-ministro da Integração Nacional. Em princípio, após a cornucópia de benesses – a Bahia não foi o estado que mais verba recebeu? - não deveríamos ter o mínimo problema. Teremos, sem a menor dúvida, a capital mais segura da federação. Mas algo me alegra especialmente: deixar de aturar os clipes publicitários da Secretaria Estadual de Turismo. Não aguento mais a visão “Ó pai ó” do povo da Boa Terra. Saturei de tanto folclore básico, repetitivo e redutor, salpicado com boa dose de erotismo. Basta de berimbau e fitinhas do Bonfim como símbolos únicos e incontornáveis! Chegou o momento do próprio negro contestar a imagem estereotipada imposta pelos paradigmas da sociedade. Enquanto a Casa Grande continua administrando o destino das terras, a senzala pode rir e cantar e bailar porque é ótimo para a imagem na TV.

Seria tão bom se a propaganda oficial mostrasse que, mesmo em tempo de Rei Momo, temos advogados, médicos, arquitetas e antropólogos de cabelo crespo, economistas e cientistas de boca larga, geólogos e biólogas com alta concentração de melanina. Limitar a importância do afrodescendente a meia-dúzia de arquétipos: ritmo no sangue, alegria tão constante quanto irresponsável, linguajar engraçado e anedóticas superstições é tão preconceituoso quanto o “No dog, no black”. 

Hoje, o cotidiano prova já não ser tão maniqueísta assim. Se nos concertos sinfônicos e nos restaurantes colunáveis ainda são raridade, já deixaram de limitar sua atuação ao campo de futebol e ao pandeiro. Está na hora de mudar o chavão do neguinho adormecido no passeio debaixo de um sombreiro de palha, acordando para sambar ao ritmo sincopado de uma caixa de fósforos. Se a conservação de ancestrais características culturais e comportamentais é salutar, os governantes têm a obrigação de redefinir o perfil do baiano negro e seu exato lugar na atualidade brasileira.

Dimitri Ganzelevitch

Salvador I995

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