quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A SUNGA

 

A tanga vestida por Fernando Gabeira no verão de 1979/1980 é tão histórica que hoje faz parte do acervo do Centro Cultural Banco do Brasil


……Nos anos 1960, a cintura cai — e muito! — em um movimento que ficou conhecido como Saint Tropez. O corpo quase todo exibido não foge aos flagras de um dos maiores fotógrafos do Brasil, Alair Gomes (1921-1992). Foi da janela de sua casa que ele documentou os corpos desenhados dos cariocas andando pelas calçadas, se exercitando na areia, pulando no mar, sempre com a pélvis para jogo.

Foi nessa época também que a ideia de uma roupa essencialmente masculina e outra essencialmente feminina foi questionada e a tanga virou acessório comum aos gêneros. O livro “O Biquíni Made in Brazil” (editora Arte Ensaio, 2019), da jornalista de moda Lilian Pacce, explica como o item foi disseminado no país. Um dos principais responsáveis foi David Nissin Azulay, dono da marca Blue Man, durante a década de 1970. Naquela época, a única missão da tanga era cobrir o limite da genitália e nada mais.
É ao longo deste período que ela adquire novo significado e vira símbolo de rebeldia em tempos de ditadura militar. Ney Matogrosso resgata a tanga indígena em seu grupo Secos e Molhados, ao mesmo tempo que os Dzi Croquettes escandalizam nos palcos vestindo o item, em 1972. Uma no depois, Caetano Veloso coloca a virilha em primeiro plano na foto do álbum Araçá Azul (1973). Começa ali o caminho para o minimalismo extremo, que culmina no fio dental pelas mãos do austro-americano Rudi Gernreich, em 1974 — esse embrião do tapa sexo chamado de “The Thong” foi pensado tanto para as meninas quanto para os meninos.
No Brasil, o marco desta ousadia ficou com Fernando Gabeira, no verão de 1979 para 1980. O jornalista tinha acabado de voltar do exílio, quando foi visto na Praia de Ipanema com a tanga da prima Leda Nagle. Na Folha de S.Paulo a peça foi descrita como “a maior bandeira de marketing político comportamental de 1980”, neste ano que foi o primeiro de abertura pós-anistia. A tanga de crochê de Gabeira é tão parte da história do país que hoje está no acervo do Centro Cultural Banco do Brasil
Outro estandarte da versão micro da sunga dos anos 1980 é o “menino do Rio”, aquele “que provoca arrepio”. José Arthur Machado, o surfista Petit que inspirou a canção, estava sempre com a sua tanga no começo dos 1980. E ela esteve também no corpo do ator Evandro Mesquita, quando o filme de mesmo título estreou em 1981.
“Mas a moda é espiral e gira em torno de si mesma, ainda que não se repita”, lembra a professora Miti. E, em 1990, os ringues das lutas marciais, junto com a marca norte-americana Bad Boy transformou a sunga em um shortinho, fazendo-a ressurgir em tamanho maior sob o nome de boxer. Nos anos 2000, a perna fica ainda mais coberta por influência dos novos surfistas — a fase das bermudas e bermudinhas mais largas. Esse movimento, inclusive, aparece em todos os setores da moda, seguindo a tendência do extra large.
Mas não por muito tempo. Hoje a sunga cavada, a Speedo style, é recuperada por marcas brasileiras e até mesmo internacionais. “O brasileiro tem corpo bonito e mostra isso. Nós até valorizamos demais a aparência, às vezes de um jeito exagerado”, afirma Miti. “Nossa costa litorânea gigantesca sempre nos seduzirá a ficarmos um pouco mais despidos
Foto :
A tanga vestida por Fernando Gabeira no verão de 1979/1980 é tão histórica que hoje faz parte do acervo do Centro Cultural Banco do Brasil
Evandro Mesquita
Foto de Alair Gomes

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