Voltei à terra
do vatapá, do samba de roda e do Boca do Inferno após três longos meses em
países euro-latinos. Paris, sacudida pelos preparativos dos Jogos Olímpicos.
Air-France se queixando de perder um bi de euros pela desistência de
turistas. Todos reclamando. Com 87 milhões de visitantes, a capital não
precisa de mais nenhum, mas a vaidade dos governantes falou mais alto. Lisboa
em festa junina com sua orgia de jacarandás exuberantes. O sol frio da
primavera enchera de flores campos, janelas e beiras de ferrovias. Comi churros
com chocolate, pasteis de bacalhau e baba au rhum. Bebi vinhos com
sabor de frutas e rocha, água mineral de Luís XIV e ginjinhas. Visitei o museu
do Prado estranhamente bagunçado por uma curadoria inconsequente e o Museu do
Azulejo, paixão sempre renovada.
Ao abrir a mala cheia de lembranças e souvenirs, o que escolheria como
prioridade? Hesitarei pouco ao mencionar a cafeteria Alê/Casa Gallega a dois
passos de nossa hospedagem e a três do Reina Sofia. Logo na primeira manhã
entramos meio desconfiados neste estabelecimento, cenário perfeito na sua
banalidade para um filme neorrealista dos anos 50. Um imenso balcão, um banco
corrido estofado de vermelho, serviço por demais atarefado para se derreter em
amabilidades. Mas o suco de laranja extraído na hora, o pão tostado ainda
quente, esfregado com tomate e untado de azeite doce e o café cheiroso nos
tornaram fregueses assíduos e agradecidos. De noite, após vasculhar a Gran Via,
o Retiro, a Puerta del Sol e a Calle Hermosilla, caíamos exaustos na bancada
acolhedora para uns calamares recém fritos e uma última copita, agora adotados
pela grande família do Alê, serviçal e vizinhos frequentadores. Deixar Madri
não foi fácil, mas perder a cafeteria foi-nos dramático.
Outro rasgo de amor louco foi a poucos metros da Santa Engrácia - aquela
mesma que levou três séculos para ser terminada - onde hoje repousam Amália
Rodrigues e Sofia de Mello Breyner.
Na rua do
Mato Grosso (!) tem uma lojinha. Porta estreita, uma janela, poucos metros
quadrados. Um casal cinquentão, sorridente e atento, administra a Mercearia
Tivó, algo como nossos antigos Secos e Molhados, onde poderá encontrar o melhor
e o mais fresco de toda Lisboa em frutas, legumes e verduras. E não só, já que
foi lá que comprei os cinco queijos – vaca, ovelha e cabra - que esta noite
levarei à casa do cineasta Bernard Attal para celebrar minha volta ao
bairro de Santo Antônio/Salvador City, acompanhado do pintor mexicano Cisco
Jimenez que perguntou por que estes queijos não eram mais famosos.
Parafraseando o Joachim du Bellay, amigo de Ronsard e pai da poesia
francesa, voltei, rico de emoções e descobertas, a viver entre os meus o melhor
desta passagem.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, sábado 20 de julho 2024
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