terça-feira, 9 de julho de 2024

A SÍDROME DO SUPERLATIVO


Foi em 1951 durante uma caçada que nasceu o livro que iria levar até o absurdo o espírito de competição do ser humano. O Guiness Book of Records despertou o planetário complexo de vira-lata que leva as redes sociais a declarar tal praia a mais bela do mundo, Fulano o homem mais rico, tal bicho o mais veloz ou mais feroz. O último desastre marítimo é o Pior de Todos os Tempos, aquele asiático com físico de galã é o Maior Tenor de Todos os Tempos e o último filme, o Melhor de Todos os Tempos. As listas da Forbes reforçaram a competição.

Passadas 24 horas, os conhecimentos recém adquiridos serão varridos por outros. Outro restaurante, outra dançarina, outra onda.

Ultimamente, emergiu do fundo da Croácia – menos de 4 mi de habitantes – a Taste Atlas. Determinou que a culinária mineira era a Melhor do Brasil e o cuscuz paulista o Pior Rango do Mundo. O Michelin que se cuide.

Adivinho um exército de croatas e croatos (?) de paladar apurado vasculhando Honduras, Paquistão, Noruega e o arquipélago de Tuamotu a catar o Melhor de Todos os Tempos e o Pior também. Deve sobrar pouca gente neste pequeno país. Lembrando meus anos de crítico gastronômico, confesso estar perdido ao tentar adivinhar o poderoso chefão que banca tão humanitária pesquisa. Para qual retorno?

Vivemos a Era dos Superlativos e das Maiúsculas. Meu Público Maravilhoso, amo vocês! clamam em uníssono Claudia Leitte e Wesley Safadão. Este Patê de Mortadela é Divino! gritou a jornalista. Acabei de ler o Livro do Século (que ainda está no primeiro quarto) decreta o crítico literário.

Esta corrida desenfreada pelo Insuperável é filha legítima da publicidade cujas origens remontam a antiguidade. Declarou-se abertamente a partir da revolução industrial inglesa no século XIX até ser hoje uma imposição ditatorial.

Ao ler esta afirmação, o leitor talvez esboce um sorriso de dúvida. Mas a indústria destrutiva da cultura do carnaval não é um flagrante exemplo da ditadura publicitária, começando em Salvador pela exclusividade de uma única marca de bebidas?

Nos anos 70 as fantasias eram inúmeras. A partir dos anos 90, a mortalha seria o uniforme dos blocos. Com o novo milénio, a mortalha iria encolher até meio corpo: o abadá. Hoje o abadá serve para anunciar produtos. Amanhã, não duvidem, será substituído por um simples crachá com holograma de cerveja ou perfil do prefeito do momento.

Em paralelo, as suntuosas decorações que pontuavam avenidas e praças, criações de artistas consagrados, despareceram, espaços agora recuperados por milhares de outdoors.

Yes, temos o Maior Carnaval do Mundo com 3 milhões de participantes. O Galo da Madrugada é o Maior Bloco com 2,5 milhões. No Rio de Janeiro bailam 5 milhões...

Quem tem o nariz mais comprido?

 Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, terça-feira 9 julho 2024

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