O crescente impacto ambiental dos cruzeiros marítimos, que vão bater recorde em 2024
Um grande navio de cruzeiro pode consumir até 304.593 litros de combustível marítimo por dia, segundo uma análise da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos. Os combustíveis marítimos são variantes dos combustíveis fósseis geradores de emissões e, por isso, têm alta pegada de carbono.
Por Isabelle Gerretsen
Em janeiro, o maior navio de
cruzeiro do mundo saiu do porto de Miami, nos Estados Unidos, para sua viagem
inaugural de sete dias.
A construção do Icon of the
Seas custou à empresa Royal Caribbean US$ 2 bilhões (cerca de R$ 11,4 bilhões).
Ele tem 18 deques, sete piscinas e mais de 40 restaurantes, bares e lounges.
O navio tem 365 metros
de comprimento — 35 metros a mais do que a altura da Torre Eiffel. Ele é
cerca de cinco vezes mais longo que o Titanic.
O navio é movido a gás
natural liquefeito (GNL), descrito pela Royal Caribbean como o
"combustível marítimo de queima mais limpa existente".
Mas os ativistas ambientais
afirmam que o GNL é prejudicial ao clima por lançar metano poluente na
atmosfera — um gás cerca de 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono
(CO2), ao longo de um período de 20 anos.
O impacto dessa indústria deverá crescer, à medida que os cruzeiros se
multiplicam.
As vendas de
passagens para navios de cruzeiro em 2024 atingiram níveis recordes.
As projeções indicam que, até
o final deste ano, 360 navios de cruzeiro terão transportado 30 milhões de
passageiros, um aumento de 9,2% em relação a 2019, antes da pandemia.
"O problema é que o número de navios de cruzeiro continua
aumentando e o tamanho desses navios, também", afirma a ativista do setor
de transporte marítimo Constance Dijkstra, da ONG Transport & Environment.
Ela destaca que estes aumentos irão aumentar a poluição do ar e dos oceanos.
Muitas companhias de
cruzeiros começaram a divulgar suas "credenciais verdes". Mas
Dijkstra e outros ativistas defendem que poucas empresas estão reduzindo sua
pegada ambiental com a rapidez necessária.
A poluição dos cruzeiros
Um grande navio de cruzeiro
pode consumir até 304.593 litros de combustível por dia, segundo uma análise da
Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos.
Os combustíveis marítimos são
variantes dos combustíveis fósseis geradores de emissões e, por isso, têm alta
pegada de carbono.
Os cruzeiros também geram
consumo particularmente intensivo de carbono, em comparação com muitos outros
tipos de viagens de férias.
A emissão média de CO2 por
passageiro de um cruzeiro em torno de Seattle, nos Estados Unidos, é oito
vezes maior do que a de um turista que passa suas férias na mesma cidade, em
terra, segundo uma análise da ONG Amigos da Terra.
E o CO2 que aquece a atmosfera
do planeta não é o único problema causado pelos cruzeiros.
Os 218 navios de cruzeiro que
operaram na Europa em 2022 emitiram mais óxidos de enxofre (SOx) do que um
bilhão de automóveis — ou 4,4 vezes mais do que todos os carros do continente,
segundo outra análise, da Transport & Environment.
O SOx pode prejudicar as
árvores, reduzindo seu crescimento. Ele também contribui com a chuva ácida, que
pode perturbar ecossistemas sensíveis. E a exposição ao poluente também pode
afetar o sistema respiratório humano, causando problemas de respiração.
"Continuamos a advertir
as pessoas: se você se preocupa com o meio ambiente, talvez seja melhor pensar
em outro tipo de férias", alerta a diretora do programa de oceanos e
navios da Amigos da Terra, Marcie Keever.
Mas será que os navios de
cruzeiro são piores que os aviões?
Mesmo os navios de cruzeiro
mais eficientes emitem mais CO2 por quilômetro/passageiro do que um jato
comercial, segundo a análise da ONG americana Conselho Internacional sobre o
Transporte Limpo (ICCT, na sigla em inglês).
Os resíduos são outro problema importante. Em 2019, os
navios de cruzeiro com destino ou origem no Alasca descarregaram mais de 31
bilhões de litros de resíduos tóxicos no litoral oeste do Canadá.
E há também a poluição
sonora dos navios e seus prejuízos à vida marinha.
Um estudo de 2012 concluiu
que os ruídos de média frequência do sonar dos navios se sobrepõem ao canto das
baleias chamando umas às outras. Isso as força a repetir as vocalizações,
prejudicando sua comunicação.
Limpando os cruzeiros
As cidades portuárias estão
começando a reprimir os navios de cruzeiro, em meio a crescentes preocupações
com a saúde e o meio ambiente.
Em 2021, Veneza, na Itália,
proibiu os navios de cruzeiro de entrarem no seu centro histórico. Eles agora
ficam restritos ao porto industrial da cidade.
A medida foi tomada em
resposta a um pedido da Unesco (o órgão cultural das Nações Unidas), devido aos
danos causados pela poluição dos cruzeiros às construções históricas.
Esta é uma indústria que vem ficando fora do radar, quando o assunto são
as regulamentações", segundo Keever. "Agora, estamos vendo
comunidades se levantarem contra os navios de cruzeiro, alertando que 'a
poluição ambiental e a quantidade de passageiros que vocês estão trazendo para
cá são grandes demais'."
As companhias de cruzeiros
começaram a tomar medidas para melhorar seus níveis de sustentabilidade.
Elas estão
adotando motores e aparelhos com uso eficiente de energia, usando a
energia do porto quando estão atracados, conduzindo sistemas de
reciclagem e reduzindo o consumo de plástico descartável a bordo, por
exemplo.
Mas o maior desafio do setor,
sem dúvida, é a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis poluentes.
"Tornar um cruzeiro 'verde' exige a mudança do combustível, o que é
muito difícil", segundo Dijkstra. "É ótimo que os navios de cruzeiro
estejam promovendo a reciclagem ou se livrando do plástico, mas, se eles
continuarem a consumir combustíveis fósseis, estaremos com problemas."
Muitas companhias de
cruzeiros começaram a usar GNL para alimentar seus navios. Elas promovem o
combustível como uma alternativa mais limpa em grande escala para o diesel
marítimo poluente.
Entre 2023 e 2028, 60% dos
novos navios programados para lançamento usarão combustível GNL para sua
propulsão primária, segundo a Associação Internacional de Linhas de Cruzeiro.
A Carnival Corporation — uma
das maiores operadoras de cruzeiros do mundo — conta com o GNL para reduzir sua
pegada de carbono.
A empresa pretende reduzir
sua intensidade de uso de carbono (a quantidade de CO2
emitida por milha náutica) em 20% até 2030, em comparação com os níveis de
2019. Atualmente, ela tem nove navios movidos a GNL em operação e já existem
pedidos para outros quatro.
"Existe um limite até
onde podemos chegar com as medidas de eficiência", declarou à BBC o
vice-almirante Bill Burke, comandante-chefe da Carnival Corporation.
"Estamos provavelmente em uma situação em que iremos conseguir
apenas 20-30% de redução do total das nossas emissões [com as medidas de
eficiência]."
"Em última análise,
precisamos de novos combustíveis e, no momento, o melhor combustível que
existe, facilmente disponível, é o GNL."
Mas outros discordam que o
GNL seja a solução para o problema climático dos navios de cruzeiro.
"O GNL não é um
combustível de transição", segundo Keever. "Ele não deveria nem fazer
parte das discussões."
Os navios movidos a GNL
emitem cerca de 25% menos CO2 que com os combustíveis marítimos
convencionais. Mas os ativistas afirmam que eles causam mais um impacto
prejudicial ao clima, liberando metano para a atmosfera.
"O metano traz um impacto desastroso em termos de aquecimento global",
explica Dijkstra.
Este gás do efeito estufa se
decompõe na atmosfera em apenas 12 anos, o que é muito menos do que os séculos
exigidos pelo CO2. Mas o metano também é cerca de 80 vezes mais potente, ao
longo de um período de 20 anos.
Análise da Transport &
Environment indica que um dos primeiros navios de cruzeiro movidos a GNL do
Reino Unido – o Iona, da companhia P&O – emitiu, em 2022, a mesma
quantidade de metano de 10,5 mil vacas ao longo de um ano.
Um porta-voz da P&O
declarou na época à BBC que "o GNL tem emissões totais de gases do efeito
estufa muito menores do que os combustíveis convencionais, mesmo considerando a
liberação de metano".
"Mesmo com a liberação de metano, a pegada de gases do efeito
estufa do GNL é melhor do que o óleo combustível marítimo", defende Burke.
"É o melhor combustível que existe hoje em dia."
Mas a Transport &
Environment destaca que ninguém sabe qual é a verdadeira extensão das emissões
de metano dos navios movidos a GNL, pois os dados não estão disponíveis.
A corrida para a substituição
Seja ou não o GNL uma
melhoria em relação ao diesel marítimo, em última instância, são
necessários combustíveis sustentáveis, que emitam pouco ou nenhum gás do efeito
estufa. Só assim será possível descarbonizar a navegação e atender ao objetivo
de emissões zero do setor até 2050, segundo os especialistas.
Mas ainda permanece a
discussão sobre qual combustível irá atender a esta necessidade em grande
escala.
Em todo o setor, as empresas
estão investindo em hidrogênio, metanol e amônia como os combustíveis
do futuro para a navegação marítima.
A gigante dos contêineres
Maersk, por exemplo, aposta no metanol para atingir seu objetivo de emissões
zero até 2040.
O metanol pode ser um
combustível de baixo carbono, quando produzido com biomassa sustentável ou
utilizando eletricidade renovável para separar a água em oxigênio e hidrogênio
e combiná-los com CO2, formando metanol.
O combustível pode reduzir as
emissões de CO2 em até 95% e de óxido de nitrogênio, em até 80%, segundo o
organismo do setor, o Instituto do Metanol.
Mas algumas pessoas defendem
que o metanol verde não é o combustível correto para descarbonizar a
navegação, já que sua produção causa uso intensivo de energia e ainda resulta
em emissões de CO2.
Uma alternativa é
a amônia verde, produzida pela eletrólise de água com eletricidade de
origem renovável.
Uma análise do Instituto de
Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford, no Reino Unido, concluiu que
a amônia verde – que não emite CO2 quando queimada, mas produz
emissões de óxido nitroso – poderia descarbonizar 60% do transporte
marítimo global, se fosse oferecida apenas nos 10 principais portos regionais
de abastecimento.
Mas a Associação
Internacional de Linhas de Cruzeiro (CLIA, na sigla em inglês), que é o
organismo comercial do setor de cruzeiros, afirma que combustíveis alternativos
como o metanol e a amônia não são opções viáveis.
"Atualmente, não existem combustíveis alternativos
sustentáveis disponíveis em escala para atender às ambições de
descarbonização [da indústria de cruzeiros]", afirma o
diretor-gerente da CLIA do Reino Unido e da Irlanda, Andy Harmer.
Ele declarou que "a CLIA
está convocando os governos para ajudar a acelerar a transição, definindo
objetivos de produção mais ambiciosos, particularmente para combustíveis
sintéticos e biocombustíveis".
Para Burke, embora o metanol
seja o combustível frequentemente mencionado pelas pessoas, ele é mais caro
(que o GNL e o combustível marítimo) e não é facilmente disponível.
"Não existe metanol
verde atualmente", acrescenta ele, observando que a maior parte do
metanol, atualmente, é produzida utilizando gás natural, não energias
renováveis.
O processo de produção de metanol verde é complexo. O CO2 precisa ser
capturado da atmosfera, usando tecnologia ainda emergente, de alto custo e não
comprovada para uso em escala.
Mas os demais combustíveis
verdes disponíveis também despertam outras preocupações. A amônia, por
exemplo, é um combustível altamente tóxico, corrosivo e inflamável, segundo a
ONG Fórum Marítimo Global, com sede na Dinamarca.
"A amônia é
tóxica", ressalta Burke, e "não é o melhor combustível para os
cruzeiros. Temos 8 mil pessoas nos nossos navios, muitas nas nossas salas de
máquinas."
Dijkstra afirma que muitas
companhias de cruzeiros dizem que a amônia é insegura para uso a bordo dos
navios de passageiros.
"Mas outras empresas
estão examinando esta opção... nós, por exemplo, estamos vendo balsas da
[companhia dinamarquesa] DFDS apostando na amônia."
Para Keever, "é
viável" que os navios de cruzeiro abandonem os combustíveis
poluentes, migrando para alternativas mais verdes produzidas com o uso de
energia renovável, como metanol e amônia, em substituição aos combustíveis
fósseis. "Já está acontecendo no setor de transporte marítimo como um todo",
destaca ela.
Keever relembra os fortes
investimentos da Maersk no uso de metanol. A transição para combustíveis mais
verdes "exige tempo, esforços e disposição de abandonar a nossa
dependência dos combustíveis fósseis".
Baterias
A empresa de cruzeiros
norueguesa Hurtigruten está se dedicando a uma tecnologia diferente para
alimentar seus navios: baterias.
A linha de cruzeiros da
Hurtigruten pretende lançar um navio de cruzeiro com emissão zero até
2030. Ele será alimentado por baterias de 60 MW e imensas velas solares
retráteis, como parte da sua iniciativa "mar zero".
"Nós utilizamos
tecnologia avançada de energia solar e baterias, lado a lado com técnicas
antigas: as velas", explica a executiva-chefe da empresa, Hedda Felin.
"Temos sol 24 horas por
dia no verão da Noruega e venta muito no litoral, de forma que o navio
realmente é adaptado para o litoral norueguês."
Quatro dos nove navios de
cruzeiro que compõem a frota da Hurtigruten já possuem motores híbridos,
que podem navegar com diesel e baterias.
"A Hurtigruten é uma das líderes da indústria quando o assunto é
adotar tecnologias mais limpas, incluindo combustíveis [mais verdes] e sistemas
avançados de tratamento de esgoto", conta Marcie Keever. "E isso é
importante porque seus navios visitam locais como o Ártico."
Mas existem limites para as
distâncias que podem ser percorridas com baterias.
A tecnologia funciona
bem para os cruzeiros litorâneos da Hurtigruten, pois "nunca estamos
a mais de seis horas de distância de um porto", segundo Felin.
Mas não é uma solução prática para cruzeiros transoceânicos.
"Se estivéssemos
cruzando o Atlântico, as baterias certamente estariam fora de cogitação",
explica ela.
As companhias de cruzeiros
que visitam locais vulneráveis em relação ao clima, como o Ártico, trazem
milhares de turistas para comunidades remotas. Elas têm a responsabilidade de
operar de forma mais sustentável, segundo Felin.
"A indústria de
cruzeiros precisa assumir maior responsabilidade", explica ela.
"Estamos ficando muito para trás."
Felin destaca que as
companhias de cruzeiros vêm conduzindo a transição para alternativas mais
limpas com muita lentidão.
Mas ela enxerga esperança no
horizonte. Novas tecnologias e combustíveis irão ajudar a promover um futuro
mais sustentável para os navios de cruzeiro.
"Existem diversas opções
seguras e comprovadas para o futuro, o que significa que não precisaremos ter
combustíveis fósseis nos nossos cruzeiros", afirma Felin. "Esta é a
esperança de toda a indústria de cruzeiros."
A Royal Caribbean não
respondeu ao pedido de comentários apresentado pela BBC.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no
site BBC Innovation.
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