sábado, 2 de novembro de 2019

PORTUGAL DIVULGA

BRASIL


Um pesadelo negro envenena o Nordeste há mais de 60 dias

Óleo está sendo removido das praias de Pernambuco com a ajuda de voluntários — Foto: Otton Veiga/TV Globo 

Um derramamento de petróleo sem precedentes no Brasil está a pôr em causa ecossistemas únicos no litoral. Governo é acusado de ser lento e de ter cortado recursos para responder ao desastre. Ninguém sabe de onde vem a maré negra.

H á dois meses que manchas de petróleo começaram a aparecer no litoral dos estados do Nordeste brasileiro, ameaçando ecossistemas fundamentais, a economia local e a vida de centenas de comunidades piscatórias. As autoridades federais foram muito lentas a reagir e tem sido o esforço de centenas de voluntários que se mobilizaram espontaneamente para limpar as praias que tem permitido conter alguns dos impactos. 

Nas bancas de peixe e marisco na Feira de São Joaquim, um dos principais mercados de Salvador da Bahia, o cenário tem sido desolador desde que o litoral do estado começou a ver chegar as manchas de petróleo, no início de Outubro. Tabuleiros e tabuleiros carregados com peixes, caranguejos, amêijoa, geralmente alvo de disputa às primeiras horas da manhã na lota, têm tido como destino o lixo, como mostrava uma reportagem recente da TV Bahia. O Brasil nunca viu nada assim. 

Desde as primeiras manchas detectadas a 30 de Agosto, o petróleo não tem parado de se espalhar ao sabor das correntes marítimas, tendo atingido 282 localidades em nove estados (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia), de acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Os especialistas não têm dúvidas de que as consequências deste desastre se vão fazer sentir durante décadas. 

O mais dramático é que, neste momento, não se sabe sequer qual é a verdadeira magnitude do problema. “Não se sabe ainda a gravidade do problema, apesar de já ser bem grave, e talvez possa vir a ser ainda mais”, diz ao PÚBLICO Renato Cunha, que pertence à direcção do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá). Ambiente defende que o Plano Nacional de Contingência criado em 2013 para fazer face a incidentes de derramamento de petróleo foi activado logo no início de Setembro, mas pouca gente deu por isso. 
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Dois dos comités que operacionalizam as actividades do Plano de Contingência foram desactivados através de um decreto presidencial de Jair Bolsonaro em Abril, o que, para muitos, amputa a capacidade de actuação do Governo federal. Renato Cunha acusa o Governo de levar a cabo “um combate muito precário”. Enquanto as manchas pintavam o litoral do Nordeste de negro, o Governo parecia ter as prioridades trocadas.

 O ministro do Ambiente, Ricardo Salles, tem centrado as suas intervenções públicas na procura dos responsáveis pelo derramamento. Ainda antes de haver testes, a Venezuela apareceu logo como suspeita, mas Salles chegou a sugerir que a Greenpeace poderia ter estado envolvida. Mesmo as tentativas por parte do Governo para tentar acalmar as populações têm saído furadas. Na semana passada, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deslocou-se à praia de Porto de Galinhas, em Pernambuco, onde se deixou fotografar a molhar os pés no mar para dizer que nas “praias limpas” é seguro tomar banho. 

No entanto, vários especialistas e as próprias autoridades de saúde locais apressaram-se a recordar ao ministro que, apesar de o petróleo não ser visível, as águas podem estar contaminadas. “Houve um pouco de manobra política do Governo federal para enganar a opinião pública”, diz o professor Clemente Júnior. Tem sido sobretudo graças à acção dos grupos de voluntários que se mobilizaram em todos os estados atingidos que as praias e os estuários têm sido limpos. 

A oceanógrafa Mariana Thevenin participa num desses grupos, os Guardiões do Litoral, que desde 12 de Outubro organiza operações de limpeza nas praias afectadas na Bahia. “É muito desolador ver essas manchas a chegar às praias e não haver uma acção enérgica e efectiva das instâncias que deveriam ser responsáveis por mitigar os impactos deste tipo de desastre”, diz ao PÚBLICO a voluntária de 30 anos. Geralmente, um dia de limpezas começa com uma ronda feita pelos responsáveis por cada praia logo de manhã para obterem informações sobre quais os locais com maior presença de petróleo. É feito um boletim em que se listam as praias com maiores necessidades de limpeza que é depois divulgado através do WhatsApp e do Instagram. É então que as equipas de limpeza iniciam os seus trabalhos que se estendem pelo período de maré baixa. 

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A acção mais visível do Governo tem sido a mobilização da Marinha e do Exército para apoiar estes esforços de limpeza. Entre os voluntários tem havido vários casos de pessoas com sinais de contaminação por não terem usado equipamento protector. Clemente Júnior calcula que em Pernambuco tenha havido cerca de 200 pessoas com sintomas de intoxicação, como náuseas, dor de cabeça e irritação das vias respiratórias. Mariana diz que desde o início houve preocupação entre o seu grupo de assegurar a protecção dos voluntários, mas quando o número de participantes começou a crescer tiveram que recorrer a “uma vaquinha virtual” para adquirir mais equipamento. 

Décadas de contaminação 

As imagens das praias cobertas de petróleo têm corrido mundo, mas é o impacto noutros ecossistemas mais frágeis que preocupa os especialistas. “Nas praias é mais fácil conter o impacto, consegue-se retirar o petróleo da areia”, explica Renato Cunha. Um dos pontos mais críticos são os mangais nos estuários que pontuam o litoral nordestino. Trata-se de um ecossistema próprio das regiões tropicais e subtropicais: servem de transição entre os rios e o oceano e as suas condições únicas fazem destas zonas “berçários” privilegiados da fauna marinha. Calcula-se que mais de 70% das espécies marinhas com valor económico passem algum período do seu desenvolvimento nos mangais. Para além desta função, os mangais são barreiras naturais à erosão costeira e têm uma grande capacidade para Æxar dióxido de carbono, dando um importante auxílio biológico ao combate às alterações climáticas. 

O biólogo Clemente Coelho Júnior também chama a atenção para o perigo do impacto do petróleo nos bancos de ervas marinhas. “É o principal alimento do peixe-boi, cuja população no Nordeste está muito ameaçada”, diz ao PÚBLICO o professor da Universidade de Pernambuco, que tem também participado na limpeza das praias do seu estado. O especialista divide o impacto junto dos ecossistemas em dois tipos: agudo e crónico. “O agudo é aquele que vemos na televisão, o petróleo a cobrir as praias, os corais, as raízes e os troncos das árvores de mangue”, explica. O efeito visual pode ser forte, mas a limpeza ajuda a minimizar os estragos. 

O impacto crónico é invisível e, por isso, menos impressionante, mas os seus efeitos são mais graves e prolongam-se no tempo. Está relacionado com a decomposição do petróleo, que é iniciada de imediato, assim que toca no oceano. “Inicialmente são libertadas as moléculas mais voláteis”, diz Clemente Júnior. É uma fase muito rápida em que são soltos para a atmosfera gases “altamente tóxicos”. “Agora temos outros componentes que vão aos poucos ser libertados (benzenos, hidrocarbonetos...) bastante agressivos para o meio ambiente e para a vida humana”, explica o biólogo, acrescentando que este processo “pode durar algumas décadas”. 


É muito desolador ver essas manchas 
a chegar à praia e não haver uma acção 
enérgica e efectiva 
das instâncias responsáveis 
Mariana Thevenin Oceanógrafa 
e voluntária de operações de limpeza

Todas as atenções e receios estão agora virados para o Parque Natural de Abrolhos, uma espécie de refúgio da biodiversidade que está ameaçado pelo petróleo. Trata-se de um pequeno arquipélago ao largo do litoral Sul da Bahia aonde ainda se pensa que o petróleo não chegou.  É também onde está albergado o maior banco de corais do Atlântico Sul. “Os corais são organismos extremamente sensíveis a mudanças na qualidade da água”, lembra Clemente Coelho Júnior, que considera fundamental que se monitorize de perto Abrolhos. “É um momento delicado".


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É também onde está albergado o maior banco de corais do Atlântico Sul. “Os corais são organismos extremamente sensíveis a mudanças na qualidade da água”, lembra Clemente Coelho Júnior, que considera fundamental que se monitorize de perto Abrolhos. “É um momento delicado.” 
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Portugal

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