A Sala São Paulo,
capital paulista, conjuga o impossível. Dispõe do melhor espaço acústico para concertos do Brasil. Mas está localizada dentro de uma barulhenta estação de trens.
Fabiane Stefano
Uma sala que canta. Esse é o elogio dos músicos à Sala São Paulo, aberta em julho, no Complexo Cultural Júlio Prestes, na capital paulista. No vocabulário musical, quando um lugar “canta”, ele produz a sensação de imersão na música. A platéia é “tocada” pelo som por “todos os lados”. Nesse caso, não é só jargão dos músicos. A sonoridade resulta de um projeto acústico que orientou a reforma arquitetônica do prédio. Era parte de uma antiga estação ferroviária, no barulhento bairro da Luz, no centro de São Paulo. Virou uma sala de concertos com qualidade das melhores do mundo, como o Boston Symphonic Hall e o Musikverinssaal de Viena.
A Estação Júlio Prestes foi construída em 1938 para escoar o café. Recebeu trens de várias companhias, mas seu Grand Hall, destinado aos passageiros da primeira classe, nunca foi concluído. Virou um espaço de trânsito. Três anos de reforma transformaram o vasto Hall em sala de concertos. Mas, a 60 metros da sua porta, os trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos continuam a andar.
Para superar o barulho e as vibrações, o local ganhou recursos acústicos de primeira linha, entre os quais o maior forro móvel do mundo – um teto flexível. Esse luxo tecnológico permite ajustar a acústica para cada tipo de som. Oferece o ambiente ideal tanto para as vigorosas sinfônicas de Mahler quanto para delicadas composições de Mozart.
O ambiente em que o som persiste
O maior segredo da acústica é a reverberação. “Ela é o tempo em segundos que o som persiste em um recinto depois de haver cessado sua emissão”, explica o professor de acústica José Augusto Nepomuceno, da Universidade Federal da Bahia, criador do projeto da Sala São Paulo. Trata-se do som que “retorna”, criando uma ambiência acústica.
Em catedrais altas, como a de Colônia, na Alemanha, o som se alonga e a reverberação dura até 3,2 segundos. Numa sala de estar comum, dura menos de 1 segundo. Na Sala São Paulo, oscila entre 1,5 e 2,4 segundos. Essas frações de tempo mudam a percepção da música. Se uma peça de teatro fosse encenada na sala, seria um fiasco. A palavra falada requer ambientes com baixa reverberação para ser bem entendida.
Os detalhes é que fazem a diferença. Do piso técnico, um “sótão” cheio de equipamentos sobre o teto móvel, cortinas de veludo caem sobre as placas do forro. Elas cobrem o espaço de 19 centímentros entre uma placa e outra e ajudam a absorver o som.
Até as ranhuras dos balcões, as colunas e os ornamentos foram integrados ao clima acústico. “Um estudo da Universidade de Sydney, na Austrália, mostrou a importância desses elementos na difusão do som e na qualidade acústica”, diz Nepomuceno. “Formas regulares criam sons metálicos. Formas irregularidades aumentam as nuances da recepção.” Tudo, como se vê, foi muito, muito bem pensado.
1. Teto ajustável
O maior forro móvel do mundo é composto de 15 placas de aço revestidas de madeira, de 7,5 toneladas cada, acionadas por cabos e tambores que sobem e descem como elevadores. Os movimentos permitem calibrar o volume da sala, aumentando-o de 12 mil para 28 mil metros cúbicos. Ela atende à demanda acústica de vários tipos de música
2. Madeira sensível
Os sons graves dependem muito de paredes, tetos e pisos feitos de materiais sólidos com baixa absorção acústica. Por isso, cadeiras, balcões e palco foram projetados criteriosamente. Os assentos são de pau-marfim e o palco é de freijó grosso (5 centímetros de espessura), madeiras que refletem as ondas sonoras
3. Discos de Neoprene
Para eliminar o ruído e a vibração dos trens, foram usados 2 000 isoladores de neoprene, um disco de borracha sintética introduzido entre as lajes de concreto, sob o piso do palco e o da platéia. É o mesmo usado em pontes de áreas sujeitas a terremotos para absorver impactos
4. Comando eletrônico
Computadores regulam o sistema que aciona a subida e a descida do forro. Eles gravam a posição ideal das placas e depois repetem os movimentos com precisão milimétrica. Também controlam o sistema de ar-condicionado e a iluminação
Mozart pede intimidade, Brahms exige espaço
O sobe-e-desce do teto cria ambientes musicais diferentes.
Teto baixo
Esta posição do forro é utilizada para música de câmara, peças do compositor austríaco Wolfgang Mozart (1756-1791) e recitais. São composições que necessitam de ambientes mais “íntimos”. As placas baixas produzem uma reverberação mais curta, de 1,5 segundo, permitindo alta definição de cada instrumento.
Teto alto
Esta configuração é usada para peças sinfônicas como o Réquiem do alemão Johannes Brahms (1833-1897) e a 2ª Sinfonia do austríaco Gustav Mahler (1860-1911). As placas próximas às paredes, em posições mais altas, e as centrais rebaixadas criam uma reverberação longa, de 2,1 a 2,4 segundos, e alto volume sonoro.
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