sexta-feira, 7 de maio de 2021

NOBEL NA ETIÓPIA

 Neil deGrasse Tyson (Bronx, EUA, 1958) é um dos divulgadores científicos mais reconhecidos do mundo. Este astrofísico assumiu o lugar de Carl Sagan à frente da nova versão da série Cosmos, programa de sucesso que despertou vocações científicas no mundo inteiro. Tyson estudou no Instituto de Ciência do Bronx (Nova York), um centro público de ensino médio muito seletivo e especializado em matemática e ciência. Ao final do curso, o próprio Carl Sagan o chamou para que fosse visitá-lo, com a intenção de contratá-lo para sua universidade, Cornell. Tyson preferiu Harvard, mas diz que descobriu em Sagan “o tipo de pessoa em que queria me transformar”.

O cientista comparece pela primeira vez ao festival Starmus, realizado até sábado em Tenerife (ilhas Canárias), na Espanha, onde concedeu esta entrevista ao EL PAÍS.

“Talvez o próximo Einstein esteja morrendo de fome na Etiópia”

Neil deGrasse Tyson diz que a educação e a ciência são as melhores armas contra o fanatismo

                        Neil deGrasse Tyson, depois da entrevista ao EL PAÍS.RAFAEL AVERO

O cientista comparece pela primeira vez ao festival Starmus, realizado até sábado em Tenerife (ilhas Canárias), na Espanha, onde concedeu esta entrevista ao EL PAÍS.

Pergunta. Acha que os humanos estão ficando cada vez mais irracionais, mais fanáticos?

Resposta. A primeira coisa que você pode pensar é em culpar as pessoas que se comportam dessa forma, mas eu sou um educador e tenho uma visão um pouco diferente. Acredito que haja comunidades inteiras que se sentem totalmente esquecidas. Há um grupo de pessoas perfeitamente formadas inventando coisas, ganhando mais riqueza por terem inovado. Se você não era bom nas suas aulas de matemática e ciências, se as rejeitava ou simplesmente foi formando outros valores, a primeira reação é rejeitar tudo isso, pensar: “Vocês estão todos equivocados, são meus inimigos”. Isso é muito humano. Isso nos leva a uma mudança no sistema educacional para ensinar às pessoas o que é a ciência e como e por que funciona. Não é só um conjunto de informações que você pode ignorar ou afastar porque assim decide. A ciência é a vida! Há ciência em toda parte, em tudo que nos rodeia, nos materiais, nos tecidos, nos telefones, nos automóveis... Seu celular se comunica com satélites GPS para que você saiba onde fica a casa de sua avó, e que precisa virar à esquerda para chegar. Isso nos lembra que precisamos envolver todo mundo nas novas descobertas tecnológicas, não criar um planeta onde alguns têm acesso a elas e outros não. Porque estes últimos as rejeitarão.

P. E o fato de que se ensine religião nas escolas?

R. Há dois tipos de verdades neste mundo. As pessoais, coisas que você sabe que são reais porque as sente. E há as verdades objetivas, essas que existem independentemente do que você sentir a respeito delas. E=mc2, essa é uma verdade objetiva. Não importa se você está ou não de acordo com ela, é uma verdade. As religiões são verdades pessoais. Para conseguir que alguém esteja de acordo com sua verdade pessoal, é preciso doutrinar ou convencer pela força, pela ameaça de morte. Houve muitíssimas guerras na história porque algumas pessoas tinham uma verdade pessoal diferente das de outrem. Não havia meio de resolver o conflito de forma objetiva, então se mataram para ver quem acabava dominando quem. Isto é ruim para a civilização. O melhor é que você guarde a sua verdade pessoal só para você. E, se conseguir chegar a ser chefe do Estado, ou alguém pode e deve ditar novas leis, numa sociedade livre você não deveria baseá-las nas suas verdades pessoais, porque as estaria impondo a outros que possivelmente não as compartilham. Se você vive em um país com católicos, protestantes, muçulmanos e hindus, e faz uma lei que não se baseia numa verdade objetiva, então isso se torna uma receita para a guerra. É o começo de uma teocracia, não de uma democracia. É o princípio do final de uma democracia bem informada.

P. Como civilização, você acha que evoluiremos até um ponto em que deixemos de nos exterminar mutuamente?

R. Vivemos no tribalismo. Os antropólogos sabem que os humanos são tribais por natureza. Existem a minha família e o meu povo, e se você estiver de fora é meu inimigo. Você pode se perguntar que tamanho deseja que a sua tribo tenha. Inclui todo mundo sobre a Terra? Todos os seres humanos? Essa é provavelmente a melhor solução para a sociedade. Mais do que a minha família, minha idade, as pessoas que falam meu idioma, as que têm o meu aspecto... E assim você toma decisões que beneficiam a todos e não são excludentes. Para isso precisamos que a nossa civilização evolua, como você diz.

P. Stephen Hawking acredita que não duraremos outro milênio neste planeta. Concorda?

R. Não estou de acordo com a utilidade dessa ideia. Pode ser que destruamos este planeta e tenhamos de ir morar em Marte. Mas antes será preciso transformá-lo para que seja como a Terra, e enviar alguns bilhões de pessoas para lá. Se tivermos a capacidade de transformar Marte dessa forma, também podemos mudar a Terra para que volte a se parecer com o que era. Não há necessidade de ir embora. É possível arrumar as coisas aqui em vez de reformar outro planeta. Então, a solução de Hawking funciona muito bem como manchete, mas na prática ninguém faria isso, simplesmente consertaríamos a Terra.

P. Antes, você falou da desigualdade como razão da rejeição à ciência e raiz do radicalismo. Estamos melhorando ou piorando nesse aspecto?

R. A educação é chave: ter líderes bem formados, ilustrados, não corruptíveis. Em muitas nações em desenvolvimento, é a própria corrupção que impede que o país todo cresça como deveria. A gente poderia ver isso a partir de uma postura muito egoísta e dizer que o próximo Einstein talvez esteja morrendo de fome na Etiópia, e a gente nunca saberá, porque é uma criança sem comida. Como cientista, quero que seja dada uma oportunidade a todo aquele que tiver a chance de pensar em como melhora nossa civilização. Se Isaac Newton tivesse nascido na África, acho que nunca teria conseguido chegar aonde chegou. Iria só se preocupar em não morrer. É verdade que ele se mudou para o campo a fim de evitar a peste em Londres, então sabia, sim, o que fazer para sobreviver nesse contexto. Mas, se perdermos gente assim na infância, estaremos reprimindo o avanço da nossa própria civilização. Uma das grandes tragédias da atualidade é que nem todo mundo tenha a oportunidade de ser tudo o que pode.

P. A Espanha (e outros países) atravessa uma crise econômica que levou a cortes de muitos investimentos em ciência e conhecimento. O que diria ao próximo presidente do Governo da Espanha se lhe pedisse um conselho?

R. Não, minhas palavras não seriam para o presidente, e sim para os que o elegeram. É preciso que entendam por que um político deveria ou não tomar certas decisões. Achamos que seria suficiente falar com o líder do Governo porque ele está no comando, mas suponhamos que seu presidente diga: “Sim, investiremos mais em pesquisa e desenvolvimento”. E que o público diga: “Não, espere, tenho fome agora, sou pobre.” Então isso deixa de funcionar. As políticas não conseguem se tornar realidade. Precisamos entender o valor da pesquisa e do desenvolvimento. Assim, quando o Chefe de Governo decidir fazê-lo, todo mundo o apoiará, não haverá discussão, pois todos entenderão a importância da iniciativa. Se você implementa uma série de investimentos, esperando que alguns tenham rentabilidade no curto prazo, outros no médio e outros no longo prazo, sempre haverá um fluxo de descobertas que você poderá apontar como resultados dos investimentos. Isso poderia funcionar. Sempre haveria algo do que falar, algo inventado na Espanha, uma nova máquina, um novo tratamento médico, tecnologias... Essas são as economias que vão liderar a civilização ao longo do século XXI.

P. Você diz que do Instituto do Bronx (Nova York), onde estudou, saíram oito prêmios Nobel, a mesma quantidade obtida por toda a Espanha, por exemplo – cuja maioria não é de ciência, mas de literatura. O que isso significa?

R. O Nobel de Literatura é algo muito bom. Comunicação, ideias, histórias. É uma parte fundamental do ser humano: compartilhar histórias de outros. Mas vocês precisam se perguntar se na Espanha se conformam com isso ou se querem mais. Se as pessoas não querem mais, está bem, mas então não podem se queixar de que a economia não seja tão competitiva como outras da Europa ou do resto do mundo. Eu perguntaria: vocês têm feiras de ciência onde os estudantes fazem seus projetos e recebem reconhecimento por pensar de forma científica sobre o mundo? Por exemplo, agora estamos no festival Starmus. Eu me pergunto onde estão as grandes empresas que deveriam estar apoiando um evento assim. Possivelmente, acreditam que isso não é importante. Estão erradas. Isso é importante para todo mundo, para seu futuro, incluído o econômico. Você pode escolher não fazê-lo, mas irá a reboque do resto do mundo, dos que inventam. Suas doenças serão curadas graças aos esforços de pesquisa de outros países. Não há nada de ruim nisso, mas você terá de pagar o preço.

P. Os empresários também pensam que não há um retorno econômico nesse tipo de iniciativa...

R. Ah, claro, o retorno não virá neste trimestre, nada no balanço anual. É algo que chegará muito depois. A rainha Isabel, a Católica, sabia disso. Quando ela enviou Colombo à sua expedição, não estava pensando em recuperar o investimento no ano seguinte. Sabia que apostava no longo prazo, no futuro da Espanha. E, neste caso em particular, podemos discutir se o império espanhol foi algo bom ou ruim, mas certamente foi algo, refletia uma visão de país. Portanto, se você não reinvestir seus lucros em pesquisa, verá como eles cairão...

P. Que questões da astrofísica lhe interessam mais na atualidade?

R. Amamos o desconhecido. Estou interessado nas ondas gravitacionais, na matéria escura, na energia escura, na busca por vida. Há um multiverso? Podemos criar um buraco de minhoca? Há vida em Europa, uma das luas de Júpiter? E em Marte? Adoro todas essas perguntas. Mas a que eu mais gosto é dessa que nem sequer sei como formular ainda.


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