sexta-feira, 29 de abril de 2022

A SAUDADE QUE ME HABITA

Ygor da Silva Coelho

Depois de longo tempo visitei a casa em que morei na infância e adolescência, na fase de cinco a quinze anos de idade. Aos quinze, por iniciativa própria, tomei um ônibus para construir o futuro noutro lugar, distante do meu ninho.
Ao voltar, tantos anos depois, vi que a antiga rua da infância perdeu a minha familiaridade. Os terrenos baldios foram ocupados com novos prédios, pessoas estranhas caminhavam e os antigos vizinhos já haviam se mudado. Tudo parecia menor do que na minha imaginação. E a nossa velha casa, simples e aconchegante, era agora um escritório.
De frente à casa, ao observar a pequena varanda de onde soltava fogos nas noites chuvosas de São João, cresceu o meu desejo de visitar o seu interior.
Toquei a campainha do escritório e expliquei as razões da minha curiosidade:
- Eu cresci aqui, posso entrar para ver minha antiga casa?
Gentilmente, os funcionários concordaram e circulei pelo pequeno imóvel.
Eu poderia ter passado horas, não fosse pelo transtorno que causava ao trabalho alheio. Mas pude observar os detalhes que resistiram ao tempo, como o piso de madeira que minha mãe deixava brilhando com uso de um escovão, na época em que não existia enceradeira elétrica. Vi o sótão construído por meu pai, o meu quarto, o único banheiro, o estreito jardim de inverno... Na pequena cozinha tive a ilusão de ver minha mãe fazendo meus bifes amanteigados e bem passados, como era do gosto do menino que não gostava de comer.
O meu pensamento voava e, silenciosamente, eu identificava os espaços…
- Ali ficava a radiola, ali a cristaleira, o sofá... Na copa duas cadeiras de vime, naquele cantinho do chão eu sentava para ler os meus gibis e os livros policiais do meu pai. Detetive Shell Scott!
Lembrei do quintal que era cimentado e lá ainda estavam os três buraquinhos alinhados, onde eu jogava gude.
Na saída, acariciei as paredes. E, sentindo o pulsar da memória, lembrei das palavras sempre repetidas por minha mãe:
- Na casa da Avenida Cristinópolis, em Itabuna-BA, passei os melhores anos da minha vida!
Eu sempre questionei a minha decisão de partir tão jovem e por muito tempo não tive coragem de rever o que deixei para trás: A minha singela casa, meus amigos, o banho no rio que cortava a cidade, os cinemas que me fascinavam, a pracinha da primeira paquera, o colégio, o clube com piscina... Eu não voltava porque tinha medo da dor da saudade!
Mas, enfim, chegou o dia em que tomei coragem, voltei e revi a minha casa. Parada no tempo, meio século depois ela ainda tem as marcas deixadas por minha família. Como os três buraquinhos do jogo de gude do menino feliz no quintal de cimento.

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