Livro recupera a história da dinastia que se tornou símbolo da riqueza e de gastança desenfreada no Rio
Por Sofia Cerqueira
Inspirado no Cassino de Monte Carlo, o Palácio Laranjeiras é uma ode à riqueza e à ostentação. Com três imensas alas, a construção, de 1913, tem como um dos arquitetos o francês Joseph Gire, o mesmo do Copacabana Palace. Trata-se de uma combinação do que havia de mais caro e prestigioso na época — mármore italiano, granito húngaro, tacos belgas e mobiliário revestido com folhas de ouro vindas da França. A entrada é guardada por dois leões de pedra, em tamanho natural, esculpidos por Georges Gardet, cujas obras decoram o Jardim de Luxemburgo, em Paris. Comprado pela União nos anos 40, o imóvel pertence hoje ao governo do estado e é usado em encontros e cerimônias que exigem pompa e circunstância. Quando marcava reuniões no local, o ex-governador Sérgio Cabral tinha por hábito exibir aos visitantes o inacreditável banheiro principal, todo feito com mármore de Carrara, incluindo peças sanitárias, revestimento e piso. Tamanha opulência teve um preço. Para erguer o palácio, o empresário Eduardo Guinle (1878-1941) enterrou na propriedade quase todo o quinhão que herdou como primogênito de sua família e foi à falência. Com seus detalhes rebuscados, o imóvel é, ao mesmo tempo, um monumento ao requinte e ao esbanjamento, características que se tornaram as marcas do clã. Pródigos em acumular riqueza, os Guinle também torraram a sua fortuna em uma escala monumental, o que acabou levando à derrocada financeira da linhagem. “Embora o empreendedorismo fosse a marca da família, a gastança também era. Eu, por exemplo, não herdei nada”, diz o arquiteto Eduardo Campello Guinle, 60 anos, dono de uma grife de roupas que leva o seu nome e bisneto do idealizador do palacete.
A fortuna colossal dos Guinle teve como origem um armazém de produtos importados fundado pelo patriarca, Eduardo Palassin Guinle (1846-1912), no centro do Rio, em 1870. Do comércio batizado como Aux Tuileries, administrado por Eduardo em parceria com seu sócio, Candido Gaffrée (1844-1919), os negócios se ramificaram na construção de estradas e ferrovias e no setor imobiliário. Em 1888, a dupla de empresários deu o passo que os tornaria fabulosamente ricos: conseguiu a concessão para reformar e administrar o Porto de Santos, a caminho de se transformar no escoadouro de toda a produção de café do país. Durante 92 anos, a família abasteceu seus cofres com o dinheiro advindo da exploração comercial do porto, que chegava a render 24 bilhões de dólares por ano, em valores de hoje. O cálculo consta no livro Os Guinle (ed. Intrínseca, 39,90 reais), do historiador Clóvis Bulcão. Por cinco anos, Bulcão esmiuçou a ascensão e o início da decadência do clã, que, além do Palácio Laranjeiras, legou à cidade monumentos como a sede do Parque da Cidade, na Gávea, o casarão da Ilha de Brocoió, na Baía de Guanabara, o Hospital Gaffrée e Guinle, na Tijuca, e o mais emblemático de todos, o hotel Copacabana Palace, de 1923. “É uma história que se entrelaça com alguns dos acontecimentos mais importantes do Rio no século passado e tem detalhes desconhecidos dos próprios descendentes”, diz o autor, que se concentrou nas três primeiras gerações do clã, hoje com 150 membros.
Nenhum outro membro do clã, no entanto, ganhou tanta fama de perdulário quanto o playboy Jorginho Guinle. Neto dos patriarcas, filho de Carlos e Gilda, ele torrou sua herança com viagens, festas e mulheres. Namorou estrelas de Hollywood como Marilyn Monroe, Rita Hayworth e Hedy Lamarr, a quem recompensava com joias e outros mimos. Na juventude, vivia com uma gorda mesada de 45 000 dólares e jamais trabalhou. Acabou morrendo na penúria, em 2004. “Papai era acionista da ‘Ócio Corporation’”, brinca Georgiana Guinle, 44 anos, consultora imobiliária e moradora de um apartamento de dois quartos em Copacabana. Sua herança e do irmão, Gabriel Guinle, 30 anos, agente penitenciário em Niterói, resumiu-se a alguns objetos, como louças, relógios e quadros que foram da família — uma situação inimaginável para os pioneiros que administraram empresas que iam da geração de energia elétrica à exploração de petróleo. O último negócio representativo do clã, o Banco Boavista, deixou as mãos dos herdeiros em 1997, comprado por um grupo de investidores, entre eles membros de outro clã ilustre, o Monteiro de Carvalho. “Não foi um bom negócio, o banco estava pior do que imaginávamos”, recorda o empresário Olavo Monteiro de Carvalho.
“Não tem riqueza que aguente quando a família deixa de produzir e passa a queimar os bens para sobreviver”, avalia. É fato que os Guinle perderam seu poderio financeiro, mas não se pode negar que o sobrenome ainda tem seu charme.
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