sábado, 7 de maio de 2022

O TEMPO MEXE COM A GENTE

Ygor da Silva Coelho


Ir à Itapuã parece me fazer entrar na cápsula do tempo. Hoje passei por lá, tudo está diferente de quando veraneava nos anos 70. Sentei na pracinha da igreja, local onde a gente se reunia à noite, e lembrei de quando uma garota, que sabia da minha origem interiorana, me perguntou:
- Como é uma cidade do interior? Nunca fui a nenhuma!
O exemplo que me ocorreu citar para a garota foi a própria Itapuã. Naquele tempo um bairro distante, quando ir até o centro de Salvador parecia uma viagem intermunicipal:
- Uma cidade do interior é assim como Itapuã. Pode não ter a praia, mas tem a pracinha, a igreja, o mercado, a feira, a fofoca, todos se conhecem...
E era assim, mesmo. Na minha cidade do interior, domingo pela manhã havia a missa. Depois, como não tinha praia, o programa era o clube. Alguns meninos preferiam a reunião de Escoteiros, as meninas Bandeirantes. Lindas com aquelas fardas azul marinho e saias curtas.
À tarde havia a imperdível matinê no cinema, com direito a um seriado com suspense no final e a continuação somente no próximo domingo.
Ah, a noite! A noite de domingo tinha o "caminhar" na praça. As meninas rodando num sentido, os rapazes no outro. A cada encontro uma paquera, um piscar de olho. Na pracinha começaram namoros, que resultaram em noivados e até casamentos. Os mais ricos rodavam com os carros dos pais. Gasolina não era tão cara! E quem se importava com o preço da gasolina? O cacau compensava.
O caminhar na praça era quase cronometrado. Às sete horas começavam a chegar jovens dos vários bairros, às oito era o auge. Lotava! Às nove a praça, seja lá na cidadezinha que fosse, já começava a esvaziar por conta dos rigores paternos. Só ficavam os meninos, perdia a graça.
Foi num "footing" na praça que teve início a minha despedida de solteiro. Ali nos vimos, nos conhecemos e o "affair" evoluiu. Próximo à casa da minha namorada havia uma outra pracinha, secundária, bem menor.
Quando não íamos para a praça principal, por ameaça de chuva ou outra razão qualquer, ficávamos ali mesmo na pracinha secundária. Lá estão "a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim…" E no centro a mesma estátua de um soldado. Um herói da Segunda Guerra Mundial, perfilado, altivo, com fuzil em punho.
Como em toda cidade do interior, a mentira e a fofoca fazem parte do dia-a-dia. E inventaram que a estátua do soldado se virava, esquecia a posição de sentido e abaixava o fuzil para observar o meu "caliente" namoro. Mentira!
Na cidadezinha interior era assim. Na Itapuã antiga, também. Quando não se tinha o que falar, se inventava!

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