quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O MUEZZIN


Tarudante dorme. Saí do riad um pouco antes das cinco para pegar o ônibus, no terminal fora das muralhas, que me levará a Agadir. No ombro, a bolsa de viagem não pesa muito. Uma calça, duas camisas, um par de sandálias, escova de dentes, dois livros, o caderno de viagem. A lua cheia recorta com minúcia cirúrgica as sombras das casas e das palmeiras na calçada e ofusca o brilho das estrelas.

Leveza do ar. O calor do fim de noite me agasalha como se carinho maternal fosse. Três gatos dormem na entrada do Mercado. Mais tarde, haverá restos de peixe ou de carneiro. O silêncio só é quebrado pelos meus passos.

Estranha sensação de segurança absoluta nesta cidade que tão pouco conheço. Mas aos vinte e poucos anos, quem tem medo de uma cidade que ainda não acordou?

De repente, a voz do muezzin quebra o feitiço. Chama os crentes a reza. É um apelo modulado, longo, insistente. Se ópera fosse, barítono seria.  Leva-me de volta á minha infância, quase uteral.

Parei. Mergulho fundo nesta voz milenar, a mesma que dominou Granada e Córdoba. Que ecoa no Cairo e Damasco.

O silêncio, de novo. Recomecei a andar.

 Dimitri Ganzelevitch 21/09/2022

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