Passei duas semanas na Havana em Abril de
1999. Tencionava ficar uns dias na “Roma del Caribe” e depois me aventurar pela
ilha, mas não deu. Primeiro porque conheci um monte de gente interessante e
sabe como é... Não lhe deixam sair, por mais que você tenha planejado minuciosamente
– o que nunca faço – sua viagem. Eles têm outro programa, sempre imperdível. Gente
muito especial. Desde o Alfredo, tradutor de inglês para a faculdade de
cardiologia e a Gloria Lopez, mexicana e presidente da Unesco pela América
Latina, até Eusébio Leal, o respeitado arquiteto que restaurou com alto nível
de profissionalismo todo o centro histórico da capital. Pena não termos tido,
por nossas bandas tupiniquins, um Eusébio na década de 90... Depois, porque a
Havana é um deslumbramento de cidade, lembrando Salvador antes de ser entregue
ás construtoras predadoras. Cada rua é um museu vivo de arquitetura e, não
sofrendo ataques especulativos, não houve agressões ao meio-ambiente. Hoje as
mesmas ruas são sombreadas por imensas árvores que abrigam uma riquíssima fauna
tropical.
Hospedei-me no bairro de Vedado, em casa
de uma família cujo comportamento discreto denunciava refinada educação de alta
burguesia pré-castrista. A casa era ainda bela e luminosa, apesar do estado precário. Um dos filhos me emprestando
uma bicicleta, percorri, livre e solto, ruelas, praças e becos, olhando as
ondas se quebrarem no malecón, visitando igrejas e museus.
De minhas angustiantes impressões sobre a
sinistra decadência do socialismo, já falei e não vou aqui esbanjar redundâncias
fora de propósito. Só direi que não vi a mesma Cuba que o Chico Buarque. Cada
um sua ilha.
Mas como iria deixar a terra do merengue
sem levar um pouco dela na minha bagagem, além de faíscas da memória? Na
galeria do estado, achei os preços fora de qualquer lógica. Na feira permanente
de artesanato, os artigos, repetidos em intermináveis séries, não me seduziram.
Foi na modesta – modesta, não: pobre - feira de Las Mercedes, a dois passos do
Capitólio, onde raramente aparece o Júpiter local, mas que marca o centro da
cidade, que concretizei meu desejo. Não é uma feira para turistas. Não tem
música, garotas nem chapéus de palha. Mas duas ou três bancadas oferecem o que
El Comandante não conseguiu eliminar. Um pouco de religião, ópio do povo. Umas
cabeças de Exu de cimento com olhos e boca de koris, folhas e rezas. É lá que
me espera um Ogum de madeira leve pintada de preto. Nu, tosco, sexo
proeminente, braços articulados, um buraco para a boca, dois para os olhos que
contemplam a eternidade. Numa terra onde um cirurgião ganha U$22,00 por mês,
pagar com duas ou três singelas verdinhas pode ser uma fortuna para o humilde
vendedor. Fortuna que desembolso com satisfação, exigindo porem a espada que o
orixá abandonara na bagunça da mesa.
Enquanto dois dedos correm no teclado, o negro Ogum cubano parece me proteger do alto da ventilada biblioteca da Rua Direita de Santo Antônio, em Salvador, Roma Negra.
Dimitri Ganzelevitch
Salvador, 17 de setembro de 2008.
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