terça-feira, 12 de março de 2024

DOIS MÚSICOS NOS EUA

Passeando por meus (pesadíssimos) arquivos, achei esta velha carta de um casal de grandes amigos, daqueles que a gente ama, apesar de os ver tão pouco.
A carta tem quinze anos.
Será que algo mudou?

 Oi Dimitri! 

Como vai você?

A gente vai bem, embora bem... ocupados!

Tota está começando o doutorado, seguido do mestrado, e tem sido mais pesado para ele do que para mim. Já acabei as matérias teóricas do meu doutorado. Agora preciso apenas apresentar uma palestra, escrever minha tese, e tocar terceiro e último recital de doutorado. Ele ainda tem mais um semestre de matérias, depois o exame qualificativo de história da música, teoria e pedagogia, e só aí pode seguir com a proposta de tese.

Temos estudado muito nossos instrumentos. A gente não para de tocar, o que tem sido maravilhoso.

E vamos passar o natal no Brasil! Chegamos no dia 16/12 e ficamos até 4 de janeiro!

Estamos vivendo uma época interessante por aqui. Esse país está em franca decadência, mas por aqui ninguém fala no assunto. O governo e a mídia fingem que está tudo bem, e a massa da população vai seguindo cega mesmo. 

A ditadura aqui é muuuuito pior do que a que nós tivemos, e não é exagero. Aqui TUDO é controlado, e eles acreditam piamente que vivem na terra da liberdade. É muito interessante isso. A lavagem cerebral foi e continua sendo eficientíssima. Eles são levados a viver completamente ignorantes do resto do mundo, e da própria realidade.

 Aqui nada é de graça. Saúde, por exemplo, é caríssima. Cuidar da saúde é caro, pois comer decentemente é muito difícil. A garotada vive de sanduiche, batata frita e coca-cola. Poucos bebem água. Em todo canto tem máquina de refrigerante e salgadinho, e os garotos comem isso o tempo todo. O povo envelhece rápido e vive doente. Se a gente usa o serviço de saúde da universidade (cada visita, 10 dólares - e pagamos o seguro saúde para usar o serviço!) vai sair de lá com antibiótico caríssimo que só pode comprar lá. 

Não pode escolher um genérico na farmácia, pois não vende! O remédio vem com seu nome e é feito para você. Aí o povo se auto medica. O que mais tem na televisão é propaganda de remédio. Tratar dos dentes aqui... só pra rico. Tem um monte de gente sem dente, e gente jovem. Ë bem mais barato arrancar do que tratar. 

E educação pública é ruim também. A melhor escola secundaria aqui nesta cidade é católica, particular e cara! E eles acreditam que vivem no melhor lugar do mundo. Pensando bem, a gente precisava de um pouquinho desse orgulho e amor deles pela pátria, mas sem a cegueira imposta pelo controle ideológico. 

Bem, sobre essa coisa de nota fiscal por aí, quem sempre declara tudo e paga todos os impostos não tem do que se preocupar. No meu caso - professora universitária - o governo já sabe o quanto eu ganho, e já me desconta antes mesmo, no contracheque. Todo ano tenho restituição. Se eu toco em algum evento para empresa, forneço nota fiscal, e tenho ISS. Não pretendo sonegar impostos, é acho que isso me dá o direito de exigir melhor saúde, educação etc.

Isso de pagar mais impostos se a gente gasta mais só é válido para quem não declara o que ganha, o que não é o caso dos funcionários públicos, ou da maioria da população assalariada. A gente nem tem como ter caixa 2. E se tiver, é um trocadinho a mais, que não vai fazer muita diferença para o leão. Quem lucra com a falta de nota fiscal é quem vende e não declara que vendeu. Não é justo para com que vive na linha, ou seja, a maioria da população. 

Um beijo cheio de saudade,

Teca (e Tota, que acabou de acordar com a maior cara de sono!) 

14/11/2009

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