Salvador ganha 16 novos viadutos e não soluciona congestionamentos
Com política de viadutos, a capital baiana quase dobrou o número de equipamentos nos últimos 12 anos
Foto: Secom/Jefferson Peixoto
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 21 de março de 2024
Uma rápida volta pelas principais avenidas de Salvador já permite perceber: a primeira capital do país se tornou a cidade dos viadutos. Em 2012, eram 29 equipamentos, segundo a Superintendência de Obras Públicas (Sucop). Doze anos depois, o número quase dobrou. Atualmente são 54 estruturas distribuídas no território soteropolitano.
Só nos últimos 10 anos, o governo estadual realizou 11 construções, enquanto a gestão municipal entregou 5, e outras 4 ainda estão em andamento como parte do BRT. Se antes as ruas de Salvador eram marcadas por sua cultura e história, hoje é o cinza do concreto que chama atenção.
A construção de viadutos ocorre em uma aparente busca por melhorias na mobilidade urbana, porém suscita preocupações relacionadas aos impactos ambientais, sociais e aos massivos investimentos. Tudo isso enquanto outras cidades no Brasil e no mundo caminham no sentido contrário aos viadutos.
Em 2010, foi inaugurado a “Nova Marginal do Tietê”, em São Paulo. Com um investimento de R$1,3 bilhão, ampliou-se a rodovia adicionando quatro pontes e três viadutos. O objetivo era reduzir os congestionamentos e diminuir em 15% o tempo de deslocamento da população. Porém, cinco anos depois, os índices de lentidão já haviam subido em 80%. A reincidência do congestionamento pode ser explicada pelo efeito da oferta e demanda. Ao notarem que vias anteriormente engarrafadas foram expandidas, mais motoristas optam por utilizar esses caminhos para encurtar seus tempos de deslocamento.
Mas além de não significar necessariamente uma solução aos congestionamentos, a sede por viadutos é reflexo de um pensamento que abre mão de pessoas em detrimentos de veículos.
Cidade para quem?
A baiana Lívia Magnavita, arquiteta mestre em Planejamento Urbano e Territorial, lembra que as cidades são e devem ser pensadas para as pessoas, afinal, antes de serem motoristas ou utilizarem carros e transporte público, os cidadãos são pedestres.
“A cidade deve considerar todas as formas de deslocamento, e existe uma grande distorção nisso. O que percebo é que muitas das soluções de mobilidade utilizadas em Salvador são voltadas para o carro, principalmente para o privado”, destaca ao Jornal Metropole. Lívia pontua ainda que, além de não priorizar, a política do viaduto afasta as pessoas. Isso porque os pedestres se sentem inseguros em caminhar nessas áreas, tornando o espaço pouco acessível.
“Além disso, algumas dessas obras em Salvador desmataram muitas árvores centenárias e obstruíram o fluxo dos rios”, destaca a arquiteta.
Na contramão
É por isso que o mundo está seguindo outro caminhos. Cidades têm optado por demolir viadutos, transformando-os em áreas urbanas e parques para recuperar espaços ambientais e estabelecer conexões com áreas verdes.
Um exemplo ocorreu no início dos anos 2000, em Seul, na Coreia do Sul. Um viaduto sobre o Rio Cheonggyecheon foi demolido para um extensa restauração do rio e de seu entorno. Já em Madrid, o projeto de revitalização da margem do rio Manzanares enfrentou um grande desafio devido aos trechos da via M-30. Parte da estrada foi desviada por túneis, e um parque foi inaugurado.
“Os viadutos e as pontes podem, sim, ser utilizadas como ferramentas para a mobilidade urbana. Afinal de contas, é uma maneira de conectar dois lugares, mas não deve ser a única solução adotada em uma cidade”, conclui.
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