domingo, 10 de março de 2024

ANALFABETISMO NÃO É DOENÇA

 

Promoção automática é exclusão disfarçada, e analfabetismo não é doença, mas felonia dos governantes


Ilustração

Maria José Rocha Lima

O   governador da  Bahia,  Jerônimo Rodrigues, ao incluir o analfabetismo no Código Internacional de Doenças, criou um novo CID.   O CID, criado em 1893 pelo Instituto Internacional de Estatística, e depois modernizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), deverá ganhar uma outra nomenclatura com a inovação do governador. Também deverá entrar no Guinness World Records, por descobrir uma doença inimaginável: Analfabetismo.

Senhor Governador, aprender é para o ser humano o que nadar é para o peixe. O cientista francês Bernard Charlot nos ensina que “nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender. Aprender é  a característica essencial da  condição humana. A condição humana exige um movimento longo e complexo e nunca acabado no sentido de apropriar-se (parcialmente) de um mundo preexistente. Essa apropriação obrigatória desencadeia três processos: hominização (tornar-se homem ou mulher); singularizar-se (tornar-se exemplar único); e socialização (tornar-se membro de uma comunidade).

Naturalizar o analfabetismo e as não-aprendizagens na escola baiana como doença, como pobreza dos alunos; como condições sociais que os fazem chegar à escola despreparados e incapazes para aprender são argumentos que desmoralizam o sistema, minam a autoridade dos professores para ensinar com argumentos externos à escola. Manter esse pensamento naturalizado sobre a evasão, a reprovação, a não-aprendizagem será uma forma de não transformar o sistema, desresponsabilizarem a escola e os  professores, que  não se livram da manipulação do próprio sistema.

Parece ser mais fácil aceitar que a não-aprendizagem seja fenômeno inevitável, imutável, permanente e impenetrável às nossas ações do que buscar ensinar a todos.

 “O fatalismo, quase sempre, leva à crença de que podemos fazer muito pouco para mudar as condições em que agimos.” (BAUMAN – 2010) A familiarização com a não-aprendizagem vira autoexplicação.

Permanecer na escola sem aprender é enganação, exclusão disfarçada. Não aprender na escola causa muita humilhação e revolta e constitui caldo de cultura para a violência.

É perturbador que defensores da inclusão, como o governante, empurrem para a “classe de doentes”  crianças que são  vítimas da escola que, inacreditavelmente,  não alfabetiza.

Senhor Governador, Analfabetismo não é doença. O analfabetismo é felonia praticada pelos governantes. O senhor mesmo excluiu os professores primários, alfabetizadores, formados nas Escolas Normais, da Lei do Piso.

Analfabetismo é violência institucional, é resultado de repetidos séculos de negligência com a educação popular, é   falta de prioridade para a educação das nossas crianças, é resultado das transgressões das leis como o Fundef e Fundeb, é a falta do cumprimento da Lei 11.738/2008 e todas as leis que definem   pagamento de Piso Salarial e criação de   planos para atratividade de bons profissionais para a carreira. Estas últimas leis são   descumpridas na integralidade em 60% dos municípios baianos, sem falar no desprestígio dos cursos de Pedagogia e de formação continuada para a  formação do   professor.  O   analfabetismo é consequência da malversação na aplicação dos recursos público, da   corrupção   histórica e  desprezo  pelos professores.

O patrono da Sociologia Brasileira, Florestan Fernandes, nos desafiava a compreender “essa brutalização cultural do professor, que se faz desde o passado longínquo e que chega a ser tenebrosa com relação aos professores, por exemplo, de crianças – as célebres professoras primárias”. Para ele, o aviltamento salarial do professor primário “é o mais deletério de todos. Poucos países reduzem o professor primário a uma condição tão próxima da miséria relativa quanto o Brasil”. (1989, p.58).

O Analfabetismo é desonra e uma estratégia poderosa de dominação da elite brasileira.

Maria José Rocha Lima é Professora   aposentada. Mestre em Educação da Universidade Federal da Bahia. Doutora em Psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. Fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira. Soroptimist International – SI Brasília Sudoeste. Prêmio Nacional de Educação da Câmara Federal e agraciada com o Premio Bertha Lutz por relevantes serviços prestados à causa da Mulher.

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