O que diferencia uma crônica de qualquer outro curto escrito? Em 2022, um edital da prefeitura me descartou quando ousei, com a louca pretensão de ser publicado, apresentar uma escolha de textos, alguns publicados nestas mesmas páginas, outros, mais antigos, na Gazeta Mercantil e meia dúzia inéditos. Boa parte falando de aventuras em viagens. A recusa baseou-se na evidência culposa de serem crônicas autobiográficas.
Crime
inafiançável! Era tarde para argumentar que qualquer escritor, seja ele genial
ou medíocre, nunca faz outra coisa senão escrever sobre ele mesmo. Da mesma
forma, pintor, compositor ou coreografo extravasarão suas angustias e sonhos no
labor criativo. Ninguém foge de seu ego. Me veio a memória “México” (1957) de
Erico Veríssimo, livro que não é senão uma coletânea de crônicas na primeira
pessoa. Teria sido, ele também, caso se apresentasse, barrado pela Fundação
Gregório de Matos?
Gosto de
escrever textos curtos como vídeos do Youtube, sobre os mais variados temas. Nunca
ousaria empreender um “longa”. Não tenho sopro para Downton Abbey. Deixo assim
confortável espaço para novos Dostoievsky e outros Proust. Dois mil e
setecentos toques no teclado são suficientes para dar vazão a minhas irritações
sobre assuntos ligados ao maltratado patrimônio, poetizar momentos de
contemplação das águas metálicas da baía, discursar sobre minhas pitangueiras,
falar mal ou bem de uma memorável refeição, lembrar alguém que amei. Todas,
como o leitor poderá constatar, são variações sobre o Ego. Mas faça uma pequena
viagem no seu passado. Ontem, por exemplo. Mesmo com alguma eventual falha de
memória - quem não as tem? - analise as conversas que teve durante o dia. De
que você falou senão de sua visão do mundo, da qualidade da feijoada, do
massacre de Gaza, do divórcio da vizinha ou da política do primeiro ministro
britânico? Flagrantes de ego. Não seria, completando o último e oportuno texto
do Armando Avena, a caraterística-mor de uma crônica deslanchar a partir de
algo corriqueiro? Uma mulher chorando na rua, um idoso com um buquê de rosas, a
fila do banco...
Ficção –
sim, a sociedade gosta de etiquetas – será rotulada de conto ou novela, arte
cuja prática me deixa absolutamente incompetente. Nada como ter a exata noção
de suas limitações. E não é que não tenha tentado. Aos 18 anos, influenciado
por Katherine Mansfield e William Saroyan, cheguei a escrever uns contos. Foram
até publicados no prestigioso semanal O Norte Desportivo da nobre cidade do
Porto. Você não conhece esta famosíssima publicação? Então, o New-Yorker, Les
Nouvelles Litteraires, o Pasquim lhe são familiares, mas nunca ouviu falar do
Norte Desportivo? Não
acredito! Pronto: será tema de uma próxima crônica.
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