sábado, 2 de março de 2024

MINHA VIDA NUMA CAIXA DE PAPELÃO

Criei-me em Marrocos. Estudei num colégio religioso e em escolas de Arte em Paris e Londres. Conheci a Espanha franquista logo após a guerra civil e morei no Portugal de Salazar. Assisti a prisão de Marcelo Caetano e a liberação dos presos políticos no forte de Caxias. Durante a guerra da Argélia, fui jornalista e fotógrafo. Conheci Umberto de Itália, Amália Rodrigues, Giovanna da Bulgária, James Baldwin e as últimas sultanas otomanas.

Cheguei na Bahia no tempo de Geisel. Passei por grandes apertos com Collor. Levei o “Dendê e Dengo” de Aninha Franco ao Festival de Teatro de Casablanca e o Zambiapunga de Nilo Peçanha ao Festival dos Ritmos do Mundo de Rabat. Minha exposição “Relicaires des terrains vagues” de artistas baianos foi apresentada no Museu du Montparnasse em Paris, em Monte-Carlo e Rabat. Conheci Jorge Amado, Carybé, Ernst Widmer, Pierre Verger e Lindembergue Cardoso. A  capoeira no Forte de Santo Antônio foi proposta minha.

Caetano, Gil, Adélia Prado, Regina Casé, Fernando Morais e Zubin Mehta estiveram na minha casa, declarada Casa-Museu pelo Ministério da Cultura em 2008 e tema de reportagens na Casa Vogue, Elle, Casa Claudia, Play-boy, Vogue americana, vários programas de TV e no Youtube.

Criei a decoração da Rua Direita de Santo Antônio para o desfile do 2 de julho e o Concurso de Carros de Cafezinhos, conforme documentado no meu livro “Alegria, café quentinho!”. Fui o primeiro a usar o subsolo do Mercado Modelo como espaço de exposição. Por minha galeria passaram os então desconhecidos J.Cunha, Babalu, Eckenberger, Vauluizo Bezerra, Bel Borba, Emma Vallle, Faróleo, Adrianne Gallinari e Zilda Paim.

Escrevi na Tribuna da Bahia, Gazeta Mercantil e agora n´A Tarde. No meu Teatro Elena Rodrigues, se apresentaram músicos e cantores, dança, poesia, teatro, capoeira e samba durante 30 anos. Encontrei Juscelino Kubitcheck, Igor Stravinsky, Dorival Caymmi e Martha Graham.

Fotógrafo, expus em Salvador, México, Itália e em breve, na França. Ator, participei de dois filmes e até fiz teatro de rua na Piedade e na Liberdade!

Preocupado com o avanço dos anos, a doutora Ana Virgínia Pinheiro, da Biblioteca Nacional, me incentivou a doar meu acervo - artigos, correspondência e iconografias diversas - aos Arquivos Municipais. Contatei o órgão. Entusiasmadas, as duas bibliotecárias voltariam “para tomar medidas”. Sumiram. Nunca mais. Seria eu, como Lula em Israel, persona non grata nesta terra onde plantando, tudo dá?

Anos atrás, encontrei numa caixa de papelão no chão de um antiquário da Rua Rui Barbosa, fotos e pinturas do famoso arquiteto modernista Diógenes Rebouças, recém falecido. Tudo a venda, baratinho.

Me deprime imaginar minhas agitadas memórias com o mesmo destino.

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 2 de março 2024

2 comentários:

  1. Tu eis o maior contribuidor, criador e mantenedor da cultura baiana do que mais de 99% dos baianos! Muito obrigado amigo Dimitri por toda sua contribuição!!!

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  2. (Até que enfim o Google decidiu voltar com a permissão para eu comentar.)
    Não sei se o adjetivo aplicável a esse artigo é "inacreditável", "lastimável" ou "sinistro".

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