sexta-feira, 12 de junho de 2020

QUARENTENA - DIA 87

Cláudio Marques




Fui selecionado junto com centenas de outras pessoas para colaborar em um projeto no futuro. A humanidade, em 3422, está tentando entender o que se passou no Brasil, em 2020. A sociedade do futuro recrutou pessoas diversas do nosso presente, agora, para tentar compreender um dos momentos mais conturbados e difíceis dos últimos 1400 anos.
Em princípio, eu estranhei o absurdo da situação. Mas, já venho me acostumando com coisas muito piores. As pessoas do futuro, que me fizeram o convite, foram educadas e eu aceitei!
A viagem foi breve, num piscar de olhos. Estava eu, lá, diante daquelas figuras que me lembravam o ser humano de hoje, mas tinham algumas mudanças substanciais. Acima de tudo, pareciam serenas, centradas. Vivenciavam cada segundo, falavam sem pressa, olhavam no olho. Todo mundo se tocava, sem medo! Havia tranquilidade e confiança em cada palavra. Eu acreditava em tudo o que eles diziam.
A primeira questão levantada tinha a ver com o verdadeiro nome do presidente do Brasil, em 2.020. Disseram que ninguém sabia se ele se chamava Bozo, Bostonaro, Bolsomilícia ou Bolsomito, entre outros. Contei que era Bolsonaro e eles acharam curioso, pois era um nome que quase não aparecia nas pesquisas. Senti ajudando!
Eles me perguntaram, em seguida, como tinha sido possível Bolsonaro chegar ao poder por voto popular. Pensei, pensei muito, quebrei a cabeça. Fui o mais longe que pude dentro do período da Nova República tentando reconstruir a escalada da extrema-direita no país. Falei como alguém que viveu esse período, não que o estudou.
Sarney, inflação, Collor, debate fraudado na Globo, Itamar Franco… Lembrei do escândalo da compra de votos de FHC como um marco em nossa derrocada política. Depois, falei sobre o mensalão, das alianças de Lula com Geddel, Maluf, do apoio da Igreja Universal do Reino de Deus ao PT, de Belo Monte, das Jornadas de Junho, do 7 x 1, de Aécio inconformado com a derrota em 2014 (mostrei a foto do mauricinho-mimado com as mãos na cintura), da Lava-Jato, do acordo nacional, do golpe (o pessoal do futuro passou mal com os discursos), de Ciro em Paris… falei, falei, falei, falei e eles ficaram ainda mais confusos. Eu tentei falar do clima anti-política tradicional em 2018, mas… Bolsonaro estava no poder há trinta anos. Enfim, nada faz muito sentido.
De fato, nada justifica a chegada de um genocida declarado ao poder de uma democracia. Ainda mais, um político que quase nada fez, além de ficar milionário junto com sua família graças ao dinheiro público.
Fiquei frustrado, não pude ajudar em 2.020 tampouco em 3422. Eu pedi desculpas e perguntei quando poderia retornar. Lembrei a eles que eu estava em meio à pandemia e precisava estar em casa pela manhã. Eles me corrigiram, dizendo que eu não estava no meio da pandemia. Em junho de 2.020, os brasileiros estavam vivenciando apenas o início dessa tragédia.
Nos próximos meses, infelizmente, uma quantidade inimaginável de mortes ocorrerá no Brasil, me disseram. Uma mortandade facilmente evitada, mas desprezada pela elite política e econômica. Eles completaram informando que Brasil, Estados Unidos e Reino Unido, países que foram negligentes com a COVID-19, tiveram fortes distúrbios sociais e saíram em pedaços desse período. Com muito mais dificuldades.
“E Bolsonaro? O que vai acontecer com ele?”, eu perguntei. Eles evitaram responder. Não era esse o sentido da minha visita. Mas, não será coisa boa. Bolsonaro é agente do caos, da destruição, com sinais evidentes de psicopatia… ele será responsabilizado. Bolsonaro terá de pagar por tantas mortes!
Despedi-me das pessoas do futuro. Recebi um abraço carinhoso. Afeto de desconhecidos, mas plenamente sincero. Na viagem-tempo de regresso para casa, eu pensei naqueles seres humanos com carinho. De alguma forma (não sei como) a humanidade vai conseguir se reinventar. Pode demorar, mas sairemos dessa.
PS: Pensava em “A.I. Inteligência Artificial”, de Steven Spielberg, ao escrever esse texto. Filme lindo!

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