sábado, 20 de junho de 2020

SOBRE O CINEMA BRASILEIRO

“Não há, hoje, um festival de cinema considerável sem um filme brasileiro”, afirma cineasta Cláudio Marques

Bianca Carneiro*
Em tempos de pandemia, o momento não é nada favorável para a indústria cinematográfica nacional. Após viver um dos seus melhores anos em 2019, o circuito no país amarga as incertezas das produções paradas e as salas fechadas. No entanto, não podemos deixar de comemorar nesta sexta-feira, 19, o Dia do Cinema Brasileiro. Para a data, além desta entrevista com o cineasta Cláudio Marques, o Cineinsite A TARDE também promove uma live com o ator baiano Heraldo de Deus, no Instagram, às 13h.
Aos 49 anos, Cláudio Marques é um dos cineastas mais atuantes da Bahia. Além de dirigir e produzir sete curtas e três longas, ele é ainda idealizador e coordenador do Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha, uma das poucas salas do estado que está fora dos shoppings e oferece cinema de arte. Seu último longa, Guerra de Algodão, (assinado também por Marília Hughes) foi considerado Melhor Filme no Santiago Indie Film Awards.
Não só isso, Cláudio é o fundador do Panorama Internacional Coisa de Cinema, um dos mais importantes eventos do cinema brasileiros, que, entre outras ações culturais, alia a exibição dos filmes a bate-papo com profissionais da área e oficinas. Ao Cineinsite, o especialista falou sobre as perspectivas do cinema nacional, as vitórias, os desafios e a expectativa de reabertura do Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha. Acompanhe.
Cláudio, como você tem passado a sua quarentena? A pandemia atrapalhou alguma produção ou exibição de filme seu? Você tem trabalhado em algum projeto neste tempo em casa?
Trabalho muito menos que o normal, pois tenho um filho de quatro anos. Casa, filho, preparar almoço…a demanda é grande! Um novo longa deveria estrear no início do segundo semestre, Guerra de Algodão. E já deveríamos estar em processo adiantado de curadoria de filmes para o próximo Panorama, que, em tese, acontece em novembro.
Como anda a situação do Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha? Existe alguma perspectiva de reabertura? Pensando nisso, o espaço já está se planejando quanto aos cuidados com higienização? Quais medidas deverão ser adotadas?
É um momento difícil, delicado…os cinemas não possuem receitas e continuam com muitas despesas fixas. Sei de muitas salas pelo país que estão para fechar as portas. São Paulo foi o único estado a sinalizar apoio às salas de cinema de rua, até o momento.
Aqui, no Itaú-Glauber, nós mantivemos todos os funcionários. Existem muitas discussões quanto às medidas a serem tomadas e, com certeza, muita coisa vai mudar quando os cinemas forem reabertos. Espero que esse momento seja em breve. De toda forma, ainda é cedo para precisar o que vai acontecer e como tudo vai se suceder.
Nesta sexta-feira, 19, é comemorado o Dia do Cinema Brasileiro. Qual a avaliação que você faz da indústria cinematográfica nacional destes últimos tempos?
Estamos vivendo um dos períodos mais incríveis em termos de criação cinematográfica no país. Há uma diversidade estética e temática pouco vista na história do cinema. Por outro lado, o Governo Federal acabou com o Ministério da Cultura, tornou acéfala a Secretaria de Cultura (quatro ou cinco secretários em um ano e meio), paralisou a Ancine (Agência Nacional do Cinema), travou investimentos de mais de R$ 750 milhões em 2019. São quase 300 mil trabalhadores da cultura paralisados.
Recentemente, tivemos três obras que ganharam grande notoriedade em premiações internacionais e chamaram bastante atenção para o cinema brasileiro: Bacurau (2019), A Vida Invisível (2019) e Democracia em Vertigem (2019). O que esta visibilidade representa para os produtores nacionais?
Esses filmes ocuparam espaços importantes. Isso vem acontecendo sistematicamente, ano após ano. Não há, hoje, no mundo, um festival de cinema considerável sem um filme brasileiro em exibição. Temos qualidade e quantidade! Reconquistamos o prestígio internacional, nossos filmes são vendidos para TV’s e passam na internet em todos os lugares. Somos elogiados pelos mais fervorosos críticos do mundo todo.”
Na Bahia, nunca conseguimos efetivar uma política cultural. Algo bem pensado, calculado, com metas a serem cumpridas pelo governo e pelo setor.
Quais os desafios que a indústria cinematográfica brasileira ainda precisa enfrentar?
Bolsonaro, Bolsonaro e Bolsonaro. Depois, Bolsonaro. Por fim, Bolsonaro.
Na sua visão, o que é preciso para popularizar o cinema nacional frente ao grande público que costuma lotar as salas localizadas nos shoppings centers?
Hollywood possui uma força histórica, que alia estratégia de dominação e competência. Em termos artísticos, não devemos nada a eles. Estamos cada vez melhores. Precisamos construir leis que nos protejam, assim como foi feito na França e na Coréia do Sul, países que conseguiram equilibrar a relação com os filmes de Hollywood.
Falando agora sobre a situação gerada pela pandemia, como você avalia o impacto para o cinema nacional? A produção independente foi a mais prejudicada na história?
Todo o cinema está parado. O cinema, espaço físico, corre sérios riscos frente à força crescente do streaming. Netflix está jogando pesado para vencer a ideia de que a primeira janela no cinema (espaço físico) deve ser quebrada. Para mim, será um tiro no pé. Na indústria e na ideia do cinema como um sistema ainda artesanal sofisticado, que alia mercado e arte.
Uma quantidade imensa de filmes não foi lançada, há uma fila gigantesca sendo criada. Muitos festivais não aconteceram. Por outro lado, milhares de produções em todo o mundo foram paralisadas. O cenário é dramático, seja no campo comercial ou independente. Estamos próximos de uma quebradeira sistêmica.
O que você pensa sobre as atuais políticas culturais adotadas? Elas conseguem atender as necessidades do mercado audiovisual do Brasil e da Bahia?
Em nível federal, estávamos avançando bem. A Ancine vinha aprimorando o setor, construindo bases para uma indústria sólida, criativa e competitiva. Muita discussão, política de bom nível sendo feita. Agora, tudo está parado e há uma burocracia crescente que criminaliza a todos.
Na Bahia, nunca conseguimos efetivar uma política cultural. Algo bem pensado, calculado, com metas a serem cumpridas pelo governo e pelo setor. Não temos um edital anual. Temos ferramentas, mas nos falta a política estabelecida. A falta de consistência e continuidade faz com que percamos excelentes idéias e conquistas.
O edital dos calendarizados, por exemplo, é uma excelente ideia colocada em prática, mas a troca de equipes de prestação de contas da Secult (Secretaria de Cultura) aliada à dificuldade que a secretaria possui em estabelecer linhas efetivas de comunicação com a classe vem provocando erosão dessa eficiente ferramenta. A burocracia crescente na cultura vem fazendo com que produtores se desanimem e pensem em desistir. É uma pena, até mesmo porque eu vejo pessoas capazes e verdadeiramente comprometidas com a cultura na Secult.”
Estamos vivendo um dos períodos mais incríveis em termos de criação cinematográfica no país. Há uma diversidade estética e temática pouco vista na história do cinema.
Foi lançada recentemente a convocatória para o XVI Panorama Internacional Coisa de Cinema, que deve acontecer em Salvador e Cachoeira, em novembro de 2020. Caso as barreiras impostas pelo isolamento continuem, há alguma chance do evento acontecer virtualmente?
Sim, existe. Ainda não recebemos parte do patrocínio do ano passado. E ainda não assinamos a renovação com a Secult para esse ano. Já deveria ter sido assinada, há a promessa para que o termo de acordo com todos os festivais calendarizados do estado sejam firmados, logo. Será uma grande conquista manter os eventos e parabenizo a Secult pelo esforço, que, a essa altura, se revela monumental.
Espero que o Panorama seja em parte presencial. Ancorado desde sempre na importância dos cinemas de rua e nos centros históricos da cidade, além da diversidade cinematográfica, o nosso sonho é que possamos nos encontrar, nos abraçar, conversar com os cineastas, conferir mais uma vez a excelente safra do cinema brasileiro e celebrar mais uma edição.
E já que estamos comemorando o Dia do Cinema Brasileiro, quais são as suas indicações para o público?
Indico o Festival que vai começar justamente no dia 19, no Itaú Play. Vai começar com “Piedade”, de Cláudio Assis, filme que tem Fernanda Montenegro como protagonista. Indico “A Febre”, de Maya Da-Rin. E “Guerra de Algodão”, dirigido por Marília Hughes e por mim. Passa dias 27 e 28 (Mais detalhes no siteinstagram e facebook do Itaú Cinemas).
*Sob supervisão da editora Keyla Pereira

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