domingo, 26 de julho de 2020

A CARA DA BAHIA


Vejam que interessante. Vocês sabiam que na África Ocidental (principalmente na Nigéria, Benin e Togo) existe uma arquitetura de influência brasileira, construída por ex-escravos retornados? Ruas e até bairros inteiros. E que seus descendentes, com sobrenomes como Souza (Suzá), Silva, Olympio e outros, somam hoje cerca de um milhão de habitantes (500 mil apenas no Benin ex-Daomé)? E que embora não falem mais nossa língua ainda guardam muitos traços culturais como a Festa da Burrinha (uma forma primitiva do Bumba Meu Boi), o culto do Senhor do Bonfim, o cozido (kuzidu) e outras?

São os agudás, também conhecidos como amarô. No século 19 foram peça fundamental na história da região e tão influentes que cidades importantes passaram a ser conhecidas por seu nome em português e não mais no idioma original (Porto Novo já se chamou Ogbomu e Lagos já foi Onim). Quando o Brasil ficou independente em 1822 Portugal demorou três anos para reconhecer até que assinássemos um documento abrindo mão de qualquer reivindicação territorial no Daomé e Angola, onde os negreiros chegaram a pedir sua anexação ao novo império brasileiro. Só assim os outros países europeus fizeram o mesmo. Lições da História.


Esses negros retornados têm origens diversas. Alguns foram deportados da Bahia depois da Revolta dos Malês (1835) quando tentaram instalar um estado islâmico no Brasil. Outros vem de antes, descendem do notório traficante de escravos Francisco Félix de Souza (dito Xaxá de Souza) que dominou o infame comércio nessa região (conhecida como Costa dos Escravos) na primeira metade do século retrasado e influenciou muito o reino do Daomé, patrocinando inclusive pelo menos um golpe de estado. Era um baiano branco mas seus descendentes foram, digamos assim, empretecendo através das gerações. Outros tantos voltaram por conta própria e se destacaram nas atividades de eletricidade, marcenaria, construção, cultivo do dendê, etc.


Quando por volta de 1900 o colonialismo inglês e francês finalmente se impôs, os “brasileiros” assim como os retornados de Cuba, por serem mais ocidentalizados do que as tribos do interior, ocuparam cargos de destaque na nova administração. Por causa disso, com a independência vinda em 1960, perderam o prestígio e ficaram muito tempo à margem da sociedade. Mas continuam lá, alguns muito ricos e poderosos (o primeiro presidente do Togo foi um “brasileiro” Sylvanus Olympio).


Existem bons estudos sobre essas populações (Alberto da Costa e Silva, Pierre Verger, Antonio Olinto e Milton Guran principalmente - me desculpem se esqueci algum outro) mas há uma carência de um intercâmbio cultural mais intenso.
Não importa por que seus antepassados foram parar lá nem que atividade exerceram. Estou falando deles hoje e me parece que estamos perdendo boas oportunidades de reatar laços que ficaram rompidos por cerca de um século. Existem coisas muito interessantes já feitas, mas é preciso ultrapassar os estudos acadêmicos. Antes tarde do que nunca. Nem tudo é Angola nesse mundo.
Infelizmente a especulação imobiliária está destruindo esses bairros "brasileiros". Sugiro que o Itamaraty, a Petrobrás e outras empresas brasileirras em atividade por lá comprem esses prédios, os restaurem e lá instalem suas sedes. Também um professor de português pago pelo governo federal não faria nenhum mal (também em Goa, na India). A isso poderíamos chamar política cultural, mas...
Nas fotos, cinco exemplos da arquitetura afro-brasileira em Lagos e Porto Novo. Não são a cara da Bahia?

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