quarta-feira, 15 de junho de 2022

CARTAS APAIXONADAS

 

Cartas apaixonadas de uma Ana C. aos 17 revelam amor e formação da poeta


  • CAROLINA INGIZZA
  • EM COLABORAÇÃO PARA MARIE CLAIRE

Livro reúne correspondência inédita que Ana Cristina Cesar enviou ao seu namorado Luiz Ramalho enquanto estava em um intercâmbio na Inglaterra, entre 1969 e 1971. No correio, mensagens sobre a situação do Brasil, que estava mergulhado numa ditadura violenta, e também sobre cultura aparecem



“Quem me proibia de botar uma vírgula entre sujeito e predicado? Eu, te amo; Eu, te, amo. eu te, amo. Sem vírgulas: eu te amo. Não posso pensar que eu te amo, não posso mastigar que eu te amo, não posso refletir em cima do eu te amo, porque esse amor não posso pensar mastigar refletir racionalizar iluminar explicar escrever analisar sintetizar”, escreve a poeta Ana Cristina Cesar, aos 17 anos, ao então namorado Luiz Augusto Ramalho.

O trecho acima é só um dos inúmeros exemplos de paixão e poesia presentes no conjunto de cartas escritas por Ana entre 1969 e 1971 enquanto fazia intercâmbio na Inglaterra e se comunicava como o namorado na Alemanha. Reunidas no livro inédito “Amor mais que maiúsculo”, publicado neste ano pela editora Companhia das Letras, as cartas revelam o amor do casal adolescente e permitem uma compreensão maior da vida e da formação cultural de uma das poetas mais importantes do país.

O material ficou quase 50 anos guardado entre os bens mais preciosos do professor Luiz Ramalho, que apesar de reconhecer sua importância, durante anos não conseguia reler a correspondência. “Eu sempre achei que tinha um tesouro escondido em algum lugar da memória e do coração, mas não sabia lidar com as cartas. Elas refletem um período de muito amor e carinho, mas também de pressão pessoal, repressão política e questionamentos”, diz Luiz à Marie Claire.

Nos anos 1990, anos após a morte de Ana, Luiz pediu que cartas fossem datilografadas e entregou uma cópia delas à mãe da antiga namorada. Em 2017, essas cópias foram entregues ao acervo da poeta no Instituto Moreira Salles e agora, pela primeira vez, são publicadas em formato de livro.

Livro reúne correspondência inédita que Ana Cristina Cesar enviou ao seu namorado Luiz Ramalho enquanto estava em um intercâmbio na Inglaterra, entre 1969 e 1971 (Foto: Divulgação)

Livro reúne correspondência inédita que Ana Cristina Cesar enviou ao seu namorado Luiz Ramalho enquanto estava em um intercâmbio na Inglaterra, entre 1969 e 1971 (Foto: Divulgação)

Com ajuda de amigos professores e aval dos irmãos de Ana, Luiz procurou a editora e entregou as cartas originais para a equipe do IMS. Rachel Valença, que coordenou o trabalho de transcrição para o livro, conta que ficou comovida com a visão do conjunto. “O que me chamou atenção foi a beleza das cartas, escritas em letras miúdas, mas com evoluções e desenhos na escrita. Ao mesmo tempo, ela reunia elementos do cotidiano na Inglaterra, como bilhetes do metrô e entradas de ópera”, diz a pesquisadora.

Para ela, a correspondência escrita originalmente em um contexto amoroso hoje ganha importância como um documento de época. “Os dois trocam mensagens sobre a situação do Brasil, que estava mergulhado nessa ditadura bastante violenta, e também sobre cultura, eram jovens bastante ligados no que estava acontecendo. Isso encanta muito”, conta Rachel.

Trecho de uma das carta de Ana C.:
“As notícias do brasil! As notícias! Aqui no Catholic Herald saiu que freiras estão sendo torturadas, com nomes. E a carta do teu pai vem terrível. O pessoal de casa não manda detalhes, assumem que eu já sei, ou querem que eu tenha um jolly good time sem a preocupação do detalhe terrível. Mas é inescapável. Luiz, de repente eu realizei que este é o último período da minha vida em que eu posso ler, estudar, sentar perto de uma lareira, ver o Buster imortalíssimo Keaton, me despreocupar, ter insônias quase à toa, eu posso até me dar ao luxo de estar mais ao menos à toa e analisar infinitamente os personagens diabólicos de Under Milk Wood. E ler Prévert! Dobro a carta do teu pai.”

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