domingo, 12 de junho de 2022

DESAPARECIDOS



 De Fabiano da Costa

"O presidente brasileiro voltou a se tornar notícia, e mais uma vez, por uma declaração desastrosa. Depois de chocar o mundo inteiro, ao afirmar que Genivaldo de Jesus era um bandido e minimizar sua execução através de uma câmara de gás, montada por policias rodoviários federais, na terça feira, o mandatário chamou de "aventura", a expedição que o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira estavam conduzindo no Amazonas, antes de desaparecerem.
Desaparecidos desde domingo, dia 5 de junho, a suposição é de que o jornalista e o indigenista tenham sido emboscados por Amarildo Costa de Oliveira, que faz parte de um grupo de garimpeiros que estaria invadindo territórios indígenas na região. Amarildo foi preso na terça, dia 7, por portar munição restrita. Antes disto, ele teria sido visto perseguindo os dois no domingo. No sábado, enquanto dialogavam com indígenas, três outros homens, armados, teriam ameaçado a dupla.
O indigenista, entretanto, teria contraído o ódio de Amarildo, vulgo "Pelado", bem antes, em 2019, desde que era agente da FUNAI. Desde domingo, a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) e a PM amazonense iniciaram as buscas em Atalia do Norte, cidade a 1000 km de Manaus.
A política de Bolsonaro tem forte impacto no conjunto do caso. Não é segredo que o atual presidente tem simpatia pelos garimpeiros. Em diversas ocasiões, ele afirmou que as riquezas naturais nas terras indígenas deveriam ser exploradas por grupos privados. Além disto, na segunda feira, dia 6, afirmou que se o STF rejeitar a tese do Marco temporal, ele não cumprirá as decisões legais de demarcação de territórios indígenas.
A declaração de Bolsonaro não foi gratuita: ela veio 24 horas antes da deputada Carla Zambelli, de Extrema Direita, convocar uma nova tentativa de Golpe para julho, justamente para intimidar o STF e pressionar o TSE antes da homologação das candidaturas à presidência. Bolsonaro usou a demarcação de terras dos povos originários como objeto fálico para despertar o desejo nos fazendeiros que o assistiam, mas seu objeto de preocupação é a eleição.
Fazendeiros e garimpeiros são dois dos grupos que exercem influência política na região do Extremo Noroeste brasileiro, e que mais sentem orgasmos com o discurso racista de Bolsonaro, que vocifera ódio contra os indígenas. Da mesma forma que as Milicias no Rio, estes grupos têm interesses diretos no voto impresso para intervir na gestão pública e facilitar seus negócios. É aí que Jair Bolsonaro e seu discurso, exercem influência direta ou indireta, sobre o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Philips.
Bruno Pereira atuava na FUNAI na divisão de indígenas isolados. Em outubro de 2019, após ações que devastaram garimpos ilegais e permitiram a prisão de vários, sem justificativa alguma, ele foi exonerado do cargo pelo atual presidente. Na época, funcionários da FUNAI comentaram que o afastamento de Bruno se deu justamente porque Jair Bolsonaro não havia aprovado o desmonte do garimpo.
Em um caso incrível e que merece atenção, e que só poderia acontecer em um país minado pela corrupção sistémica. Bruno então se licenciou da FUNAI e passou a exercer em ONGs ambientalistas, o que não podia mais realizar na sua função pública de origem: proteger os indígenas atacados pelo garimpo, preservas as matas em seus territórios e manter a etnobiodiversidade da região dentro dos marcos legais.
É aí que os laços do desaparecimento chegam à política, e começam a ficar mais densos: os procuradores dos municípios de Atalaia do Norte e Benjamim Constant, Ronaldo Caldas e Davi Barbosa de Oliveira, apesar de procuradores, passaram a exercer a defesa de Amarildo. Eles justificam que, como advogados, poderiam defender Amarildo. Poderiam sim, mas a questão é: por que deveriam?
O que chama atenção é como Amarildo, o Pelado, um homem humilde e potencialmente violento, tido como pistoleiro na região, passou a exercer tanto carisma junto a advogados e políticos. Quando Amarildo foi detido, o prefeito de Atalaia do Norte, Denis Paiva, visitou a família de Amarildo e prestou solidariedade. Denis, que foi eleito prefeito em 2020 pelo ultraconservador PSC (Partido Social Cristão), é um conhecido simpatizante do atual presidente na região, mas entretanto, se solidarizou com Amarildo.
Atalaia do Norte é uma cidade relativamente isolada na borda do Rio Amazonas e próxima ao Rio Itaguaí. Tem 20 mil habitantes, e uma dos maiores indicies de mortalidade infantil do Amazonas. O pequeno município, a 1000 km de Manaus, é tomado por comunidades isoladas ligadas somente pelo leito do Rio Amazonas. Em uma delas, morava Pelado. A cidade mais próxima, Benjamin Constant, fica a 18 km, e também desperta tanto o interesse do garimpo ilegal como das multinacionais, que sustentam o lobby de deputados que defendem que a demarcação de terras passe somente pelo crivo do Congresso.
A região onde está Atalaia vive conflitos de disputa de terra há anos, mas que explodiram de vez em 2019, ano de ascensão de Jair Messias Bolsonaro à presidência. O discurso do miliciano de que os índios ocupavam terras demais e que impediam o progresso, foi o adubo teórico que os garimpeiros precisavam para uma nova escalada de violência. Em seguida, os Bolsonaro passaram à prática: a FUNAI foi desmontada. Nisto, um dos agentes da FUNAI, o indigenista Bruno Pereira foi exonerado.
Outro ponto sensível é o aumento substancial da atividade do tráfico de entorpecentes na região. Esta nova rota, que atravessa o Rio Itaguaí, passou a despertar mais interesse de traficantes ainda pelo desmonte da FUNAI.
Enquanto o país aumenta a política repressiva nas periferias, gerando uma guerra que mata a população preta, pobre e jovem nos bolsões urbanos de miséria, na outra ponta, quem morre, nesta mesma guerra, são os indígenas. Suas terras são atravessadas por traficantes, garimpeiros e fazendeiros, enquanto o atual presidente desmonta, sabe-se lá porque, o órgão que os ampara: a FUNAI. Descriminalizar a venda e a compra, legitimar o uso recreativo para adultos, identificar quem compra e legalizar quem vende, são debates necessários e que tem forte impacto também na vida destas comunidades isoladas.
Hoje, sexta, dia 10, brasileiros e ingleses voltaram protestar na frente da Embaixada brasileira em Londres. Eles afirmam que não há interesse prioritário do governo brasileiro em localizar os dois, e que as buscas da Marinha e do Exército foram ativadas com atraso de dois dias. Afirmam também que a política de Bolsonaro, que beneficia grupos criminosos, leva ao aumento de casos parecidos na região. O próprio prefeito de Atalaia, que não quis comentar a frase descabida e trágica do atual presidente, assumiu que houve desmonte da Polícia Federal e da FUNAI na região nos últimos anos. Ou seja: ao contrário do que pensam os manifestantes londrinos, o desinteresse do Estado brasileiro não se refere somente aos dois desaparecidos, mas à toda a região.
Jair Bolsonaro só tem um interesse agora: não cair na cadeia quando deixar o Planalto. Genocida, acusado de ter cometido crimes contra a Humanidade, e cercado da pior escória criminosa (eleita ou não) deste país, ele começa a se preocupar vendo que a estrutura está desmoronando, e se interessa em não se afogar. O resto para ele, portanto, pouco ou nada interessa. Nisto, estão Bruno, Philips, os indígenas, as comunidades tradicionais, o povo de Atalia do Norte, e todos nós."
Fabiano da Costa.

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