sexta-feira, 4 de novembro de 2022

DIAS DE FÚRIA

 Dias de fúria golpista nas estradas

do Brasil paralelo



Lançado nos cinemas em 1993, Um dia de fúria, de Joel Schumacher, narra a saga William Foster, um homem de meia idade em sua tentativa de chegar à casa de sua ex-mulher para comemorar o aniversário de sua filha. O personagem interpretado por Michael Douglas, que usa o codinome D-Fens (Defesa em português), inscrito na placa do seu carro que logo é abandonado numa via interditada no início do filme, é o típico cidadão de bem.
No percurso, que resolve fazer a pé em função do estresse causado pelo bloqueio da pista e um entorno de crianças fazendo algazarra num ônibus escolar, pessoas buzinando, gestos comuns do cotidiano e símbolos diversos do capitalismo decadente por todos os lados, Foster vai adquirindo a certeza de que as coisas não são como deveriam ser. Tendo pela frente imigrantes, gangues de ruas, párias de toda espécie e trabalhadores hipocritamente vestidos em suas funções ou muito mal-humorados, D-Fens vai tomando as armas dos seus agressores e num crescente de violência e fúria, segue seu caminho sendo acolhido por um nazista que lhe enxerga como um igual.
Um dia de fúria não fez tanto sucesso nos cinemas, mas tornou-se um cult. Nesses tempos em que o fascismo recrudesce, ajuda a entender parte dos males que nos afligem, especialmente ao passarmos em revista pelas estradas bloqueadas por bolsonaristas que clamam por um golpe após a derrota no segundo turno das eleições.
Foster poderia ser qualquer cidadão trajado de verde-e-amarelo, essa gente que acredita os nordestinos são analfabetos, que está certa que Lula é ladrão e vê Bolsonaro como Mito atacado pelo sistema. Empenhados que estão em sua escalada golpista, não se importam de levar crianças para os bloqueios de estradas, que contam com a generosa conivência da PRF e de parte das instituições carcomidas pelo bolsonarismo, e não tentam esconder as ideologias com as quais simpatizam quando fazem saudação nazista como aconteceu em Santa Catarina.
Entre um terço rezado e outro, os golpistas que infestam as ruas, só se informam pelo grupo de zap e chegam a comemorar a prisão de Alexandre de Moraes, que só aconteceu na realidade paralela onde habitam e de onde não pretendem sair, ainda mais porque as mensagens que lhe são dirigidas pelos que ainda detém o poder são intencionalmente dúbias.
A cena final de Um dia de fúria (contém spoiler) é emblemático. Com uma arma de brinquedo no bolso, a única que lhe sobrou após lhe ter sido arrancada a última pistola com que ameaçava sua ex-mulher e filha, Foster desafia o desacreditado policial Prendergast (Robert Duvall) para um duelo. No diálogo que enfeixa a história, antes de ser baleado e atingir seu adversário com um jato de água da pistola infantil, D-Fens se ressente ao se dar conta que no mundo de bandidos e mocinhos em que habitava, era ele o vilão.

Carlos Zacarias de Sena Júnior (Professor do Departamento de História da UFBA)

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