Às cataratas de
estrelas correspondiam cem luzes de velas plantadas em pequenas covas na areia
branca. Ao redor destas, grupos de jovens namoravam, cantando e tocando violão.
Brisa aliviando o calor de uma noite de verão.... Foi assim que, em 1971,
levado pelo então jovem poeta Ildásio Tavares com meus amigos Maria Eduarda e
Orígenes Lessa, fui iniciado na Lagoa do Abaeté.
Voltei agora, em fim de junho, com outra amiga, a Kate
Alvarez, para uma triste constatação. Magia ameaçada. Edificações inadequadas, predadoras,
algumas em estado de ruína. Qual órgão é responsável por esta área de proteção
ambiental? Alguns afirmam ser da Conder, outros do INEMA. Mais um lamento no
rosário de abandonos desta Bahia que vai perdendo suas belezas ao malquerer de
governantes iletrados, unicamente preocupados com a próxima eleição.
À volta da lagoa, uma urbanização selvagem lembra subúrbios
esquecidos pelas fiscalizações. Nas dunas, lojas e botecos desistiram de
esperar fregueses. Um exército de funcionários devidamente uniformizado vaga
sem destino. Uns conversando, outros, entorpecidos, parecem, às onze horas da
manhã, aguardar o fim do dia. Um berçário de mudas, tela furada,
Por algum milagre, a poesia do Abaeté ainda persiste. Jegues
e jumentos, pastando devagar, dão um toque de perenidade. Pássaros dançam nas
nuvens de junho. Lá bem longe, um grupo vestido de branco, água até a cintura, lembra
orixás amáveis.
Única ilha de resistência (apesar de ter alergia a esta
palavra, não encontro outra tão adequada), a humilde Casa da Música, totalmente
esquecida pela Secretaria Estadual de Cultura, continua driblando a falta de
verba e consegue dinamizar o pequeno espaço. Sugiro a viagem para os saraus
quinzenais, quando músicos e cantores participam, sem o mínimo cachê – como a
Margareth Menezes – de uma celebração ao que nos resta de cultura popular. O
público? Era em grande parte de estrangeiros, quando o turismo existia em
Salvador. Hoje são os que, como eu, preferem o choro, o samba de raiz, todo um
patrimônio musical que luta contra o tsunami da mediocridade de carnavais
decadentes.
Durante as quase duas horas que passamos na lagoa do Abaete,
não vimos o mínimo policiamento. Com a reputação de insegurança que é a marca
do lugar, como aliás de toda a capital, e o visível abandono desta “área de
preservação ambiental”, entre tantas outras marcas da identidade baiana, como
estranhar o fechamento de comércios, hotéis e pousadas?
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