sábado, 15 de julho de 2017

UMA LAGOA ESCURA


 Às cataratas de estrelas correspondiam cem luzes de velas plantadas em pequenas covas na areia branca. Ao redor destas, grupos de jovens namoravam, cantando e tocando violão. Brisa aliviando o calor de uma noite de verão.... Foi assim que, em 1971, levado pelo então jovem poeta Ildásio Tavares com meus amigos Maria Eduarda e Orígenes Lessa, fui iniciado na Lagoa do Abaeté.

Voltei agora, em fim de junho, com outra amiga, a Kate Alvarez, para uma triste constatação. Magia ameaçada. Edificações inadequadas, predadoras, algumas em estado de ruína. Qual órgão é responsável por esta área de proteção ambiental? Alguns afirmam ser da Conder, outros do INEMA. Mais um lamento no rosário de abandonos desta Bahia que vai perdendo suas belezas ao malquerer de governantes iletrados, unicamente preocupados com a próxima eleição.

À volta da lagoa, uma urbanização selvagem lembra subúrbios esquecidos pelas fiscalizações. Nas dunas, lojas e botecos desistiram de esperar fregueses. Um exército de funcionários devidamente uniformizado vaga sem destino. Uns conversando, outros, entorpecidos, parecem, às onze horas da manhã, aguardar o fim do dia. Um berçário de mudas, tela furada,
 invadido de gravilhão e capim, denuncia a indiferença de responsáveis ausentes. Sobras de materiais de construção que o exército sonolento de “trabalhadores” espera o mato vir esconder sem mais demora. Futuros arqueólogos estranharão tanto material desperdiçado.


Por algum milagre, a poesia do Abaeté ainda persiste. Jegues e jumentos, pastando devagar, dão um toque de perenidade. Pássaros dançam nas nuvens de junho. Lá bem longe, um grupo vestido de branco, água até a cintura, lembra orixás amáveis.

                                                         



Única ilha de resistência (apesar de ter alergia a esta palavra, não encontro outra tão adequada), a humilde Casa da Música, totalmente esquecida pela Secretaria Estadual de Cultura, continua driblando a falta de verba e consegue dinamizar o pequeno espaço. Sugiro a viagem para os saraus quinzenais, quando músicos e cantores participam, sem o mínimo cachê – como a Margareth Menezes – de uma celebração ao que nos resta de cultura popular. O público? Era em grande parte de estrangeiros, quando o turismo existia em Salvador. Hoje são os que, como eu, preferem o choro, o samba de raiz, todo um patrimônio musical que luta contra o tsunami da mediocridade de carnavais decadentes.

Durante as quase duas horas que passamos na lagoa do Abaete, não vimos o mínimo policiamento. Com a reputação de insegurança que é a marca do lugar, como aliás de toda a capital, e o visível abandono desta “área de preservação ambiental”, entre tantas outras marcas da identidade baiana, como estranhar o fechamento de comércios, hotéis e pousadas?
 



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