sexta-feira, 27 de outubro de 2017

A IRONIA EXIGE LUCIDEZ


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Ao saber que era objeto de um pedido de impeachment com perto de um milhão de assinaturas, o ministro Gilmar Mendes reagiu de forma zombeteira, dizendo que gostaria de ser sorteado no STF para examiná-lo, como relator do processo. 
Pretendeu, por certo ser irônico. Mas disso não é capaz. 

A ironia exige lucidez e ninguém dirá que é lúcido quem cospe na panela de onde lhe vem a comida. Sua declaração tem a marca do deboche, da arrogância, do escárnio. Na verdadeira ironia há inteligência, que jamais insulta o conhecimento: basta lembrar que ela - a ironia - pôde tornar-se instrumento de reflexão filosófica: uma arma de pensamento delicada e sutil, que exige em seu manuseio cuidado, franqueza, reflexão aguda. 

Por isso não se pode confundir com ironia o sarcasmo estúpido. A declaração do ministro tem um teor obsceno e grosseiro, oposto à fineza da ironia. Insulta a Justiça. Pois um princípio que cidadão algum com noção do que é justo pode ignorar - muito menos um operador de direito - é o que um velho brocardo latino consagrou: nemo judex in causa propria. Ou seja, em bom português: em sua própria causa, ninguem pode ser juiz. Negá-lo equivale a negar toda a ordem jurídica. 

Dizer que em uma corte qualquer é isso é admissível, equivale a injuriá-la, degradá-la, desqualificá-la. Por isso creio que ninguém jamais insultou tanto o Supremo Tribunal Federal quando o seu ministro Gilmar Mendes. Espanta-me que seus pares não tenham reagido. Admitirá a presidente desta alta corte, a Doutora Carmen Lúcia, que um de seus membros, designado por simples sorteio, pode atuar como juiz de si mesmo, assumir a relatoria de um caso que lhe diz respeito e proferir o competente voto? 

É certo que abster-se do julgamento em causa própria numa situação como essa fica a critério do interessado? Será esta a norma do Supremo? 

Admiti-lo seria mandar às favas a isenção. E se a mais alta corte manda às favas a isenção, que é do sistema jurídico? Que valor subsistirá nos tribunais em substituição ao simples fundamento da justiça? Que tem a dizer sobre isso a Ordem dos Advogados do Brasil? 


O ministro Gilmar Mendes quis zombar dos cidadãos que pedem seu impeachment e acabou por fornecer-lhes um forte argumento. Zombou de si mesmo, do STF, do direito. Surpresa? Ele não surpreende. Tem o vezo de colocar-se acima da lei. A propósito, lembro a declaração do Meretíssimo Juiz Pedro Nogueira, da Terceira Vara Criminal de Juara, no Mato Grosso: "Se eu tivesse recebido 44 ligações de um réu às vésperas de um julgamento, já estaria aposentado compulsoriamente." 

No Supremo, pelo jeito, isso não dá em nada. O honrado Juiz Nogueira obviamente se refere à conduta do ministro Gilmar Mendes enquanto juiz de uma causa de interesse do Senador Aécio Neves, com quem, pelo jeito, ele tem relações muito amistosas. Sim, o ilustre Senador é rico em amizades. Talvez seja um dos mais privilegiados entre os brasileiros de sua classe, o que não é pouco. 

Segundo me parece, seu novo privilégio deu-se às custas da autoridade do Supremo, que talvez para emular o "prestígio" do nosso Parlamento aos olhos da opinião pública, nivelou-se com ele.

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