sábado, 21 de outubro de 2017

TEMPO DE PITANGA E GELEIA

Na coletânea de contos filosóficos “Gog” – livro de grande êxito na primeira metade do século passado – Giovanni Papini conta a história de um homem fabulosamente rico que compra, no centro de Manhattan, um quarteirão inteiro, manda destruir todos os arranha-céus nele contidos, cerca o terreno com um muro bem alto, constrói uma casa simples e planta muitas árvores para recriar uma floresta. Pelo menos assim me lembro deste personagem que tanto impacto teve sobre minha imaginação de adolescente.


Setenta anos depois, também posso me considerar um homem rico, pois no meio da capital possuo um luxuoso jardim. Vejam só: meia-dúzia de bananeiras-maçã, uma aceroleira e quatro – sim, quatro – pitangueiras! Hoje, fim de tarde, passei duas horas a colher esta deliciosa e linda frutinha. Quase dois quilos, só do pé mais acessível, por estar plantado junto a escada, o que me facilita o trabalho. Com elas farei geleia. Ninguém sabe o trabalho que dá: tem que ferver inteira por causa da pectina, para depois, com infinita paciência, não parar de mexer com colher de pau a separar a carne do caroço.

A penca de bananas demora para amadurecer. Mas, uma vez cortada, como não é fruta de se meter na geladeira, distribuo sem demora aos amigos e vizinhos. Também tenho uma impressionante e descabelada palmeira rabo-de-peixe, cujos antepassados vieram da Indonésia. É ponto obrigatório para a passarada. De manhã cedo, lá estão pelo menos umas quatro jandaias, sem falar dos bem-te-vis, beija-flores e outros cujos nomes nunca aprendi apesar do enciclopédico “Aves brasileiras” oferecido pelo meu irmão Wladimir. Como tinha plantado umas sementes de maracujá por perto, não é que apareceram umas frutas penduradas na palmeira a mais de dez metros de altura? Quando algum gringo me visita, asseguro, com a maior seriedade, que se trata de uma palmeira-maracujeira. Um fruto caiu? A Pucky, buldogue franco-tropical, pega logo e abandona nalgum degrau da escada, como se oferenda fosse. Não tive filho, nem publiquei livro, mas ao longo de minha vida terei plantado um bocado de árvores. Descansarei em paz. Também construí um pequeno teatro. Um pouco apertadas, 80 pessoas podem sentar. Em julho dei-lhe o nome de “Teatro Elena Rodrigues” lembrando a amiga flautista que foi embora bem antes da hora. Tantas vezes ela tocou neste pequeno palco! Se soubesse a falta que ela nos faz... Aqui também se apresentaram o Balé Folclórico da Bahia, uma surpreendente bailarina japonesa, o ainda desconhecido violonista Mário Ulloa, a companhia italiana Potlach, poetas e contadores. Como fundo, a escuridão azulada da baia e como teto, a via láctea. Agora... me diga se não sou um velho e sortudo  ricaço?
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde

3 comentários:

  1. Voltei ao quintal da casa de minha avó Ana, minhas primas e eu nos reuníamos em volta da pitangueira para conversar, cólera e comer pitangas. O cheiro e as cores dentro do amadurecimento me seduziam mais que o sabor. Sim, você é um homem afortunado por esse lindo quintal onde se planta, colhe e come com prazer e amor.

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  2. Oi Sr. Dimitri,
    adorei seu texto e achei graça porque esse ano postei no meu blog sobre essa riqueza que tenho: meu jardim. Ah!!! Como somos privilegiados em ter um jardim com frutas e pequeninos animais. Aqui também temos pitanga e banana. No verão manga cai aos montes. Sim, tu és rico de estar na capital com um jardim lindo assim. Devo confessar-lhe que também me sinto rica com o meu, mesmo fora da capital.
    Caso tenha curiosidade dá uma olhada :http://www.inquietudebrasileira.com.br/experiencias/relato-de-viagem/borboletas-no-meu-jardim/

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  3. Legal, Dimitri. Coisas q o dinheiro não compra...pq são de graça...basta ter vontade de fazer. Abs

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