Estudante de Goiânia preparou ataque a colegas por dois meses, diz delegado
“Meu filho se foi sabendo que eu o amava”, diz pai de uma das vítimas de adolescente de 14 anos
Atirador usou pistola .40 dos pais, que são da PM, e às autoridades diz ter sido alvo de bullying
“Estava esperando acabar a aula para buscar meus três filhos, mas levei para casa apenas dois vivos.” Em vez das imediações do Colégio Goyazes em Goiânia, onde deixou todos na manhã desta sexta-feira, Leonardo Marcatti Calembo falava diante do Instituto Médico Legal (IML) da cidade passadas as 18h. O publicitário é o pai do menino João Pedro Calembo, 13 anos, morto com um tiro no pescoço disparado à queima roupa por um colega de turma. O adolescente, de 14 anos, usou a pistola .40 da mãe, uma polícia militar do Estado de Goiás, para atirar 11 vezes. Acertou seis alunos, dois dos quais morreram.
Calembo lembrou o último beijo que o filho lhe enviou, de longe, quando ouviu um “te amo" ao descer do carro ao lado dos irmãos Gustavo, de 8 anos, e Davi, de 6. “Acordei, fiz um carinho nele, orei antes de deixá-lo na porta e disse que eu o amava”, disse, segurando o atestado de óbito do filho. “Ele se foi tendo certeza que o pai o amava.”
Horas antes, João Pedro havia sido um dos protagonistas da tragédia que se abateu na escola privada, que fica no Conjunto Riviera, um bairro de classe média da capital goiana. Às 11h40, na troca de professores entre as aula de Ciência e Gramática no oitavo ano, ouviu-se um estampido no terceiro andar. A professora tirava dúvidas com alunos sobre a Feira Científica que ocorreria no dia seguinte. Uma das alunas apostou que era um balão dos experimentos da feira, mas logo vieram mais disparos.
Uma estudante do nono ano contou que, certa de que levaria uma suspensão por mau comportamento, esperava a coordenadora quando viu Hyago Marques ensanguentado, sem camisa, descendo as escadas. Marques, de 13 anos, foi atingido no peito, mas conseguiu sobreviver ao ataque e está fora de perigo. “Eu ia levar uma suspensão, mas a coordenadora, quando ouviu os tiros, sumiu”, disse a aluna.
A coordenadora, cujo o nome não foi revelado, foi até a cena do tiroteio. Segundo o delegado que acompanha o caso na Delegacia Estadual de Apuração de Atos Infracionais (Depai), Luiz Gonzaga, a funcionária teve papel central para que o desfecho não fosse ainda pior: ela conseguiu convencer o atirador, que levava um novo cartucho de munição, a não recarregar a arma. “Ela teve um ato heroico”, declarou o delegado no auditório do hospital para onde foram levadas a maioria das vítimas. Foi a coordenadora que isolou o adolescente na biblioteca até a chegada dos policiais.
Columbine e depressão
Já na delegacia, o adolescente contou que vinha sofrendo bullying, relatou o delegado Luiz Gonzaga. “Nas palavras dele", um colega o estava "amolando". Ainda segundo Gonzaga, o atirador disse ter se inspirado em outras matanças em colégios, como o caso de Columbine, no Colarado (EUA), em 1999, quando uma dupla de estudantes matou 12 pessoas, e o de Realengo, no Rio. "Inspirado em outros casos, segundo ele como os de Columbine e o de Realengo, ele decidiu cometer esse crime. Ele ficou dois meses planejando a ação", contou a autoridade.
João Pedro Calembo, que se sentava atrás do atirador, foi o primeiro a ser alvejado. “Ele se virou para trás. O João Pedro estava sentado, discutindo o trabalho que a gente ia apresentar amanhã (este sábado). Ele atirou. Eu corri”, lembra um dos sobreviventes, em frente ao colégio, reclamando de que não sabe quando terá o celular, que ficou na sala, de volta. “Quero muito falar com a minha mãe.”
Segundo colegas ouvidos pela reportagem, João Pedro teria sido um dos pivô do ataque. O menino era um dos que costumava dizer com que o adolescente que se converteria em atirador “não gostava de tomar banho”. O pai Leonardo Calembo, no entanto, contesta. “Meu filho lia a Bíblia, amava hinos, muito ativo na escola. Não faria nada que ele não quisesse que fizessem com ele. Meu filho era alegre, bem cuidado, nunca teve inimizade”, conta no IML.
Amparado por amigos da igreja Batista Renascer, o publicitário diz que não pode deixar passar a tragédia a que sua família foi acometida sem pedir que “os pais deem atenção aos filhos”. “Eu perdoo o menino que fez isso, mas preciso dizer que hoje as crianças são órfãs de pais vivos. É preciso que os pais sejam presentes, cuidem das crianças. O sistema penitenciário está lotado de filhos que não tiveram pais, educação. A base hoje da sociedade é a educação”, ressalta e diz que ainda não sabe se manterá seus outros filhos na escola.
Até o fechamento desta reportagem, os quatro feridos pelo atirador seguiam internados em dois hospitais de Goiânia, três deles sem risco de morte. Uma menina de 13 anos, que foi atingida por um tiro no tórax que perfurou o pulmão, passou por uma cirurgia para drenagem do tórax e estava em estado grave, na UTI.
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