sábado, 22 de junho de 2019

CHICO BUARQUE FALA AO JORNAL LE MONDE


"Uma cultura de ódio se espalhou
 no Brasil"

Resultado de imagem para FOTOS CHICO BUARQUE  Chico não gosta muito de dar entrevistas, mas abriu exceção para um dos mais prestigiados jornais da Europa. Na entrevista ele não mede palavras para criticar o governo Bolsonaro e ainda fala sobre de seus planos e diz que não vai morar fora do Brasil. Por Nicolas Bourcier e Bruno Meyerfeld.


Chico Buarque, 75, é uma lenda sul-americana. Cantor, compositor, dramaturgo e romancista, ele está no auge da cultura brasileira há meio século. Perto de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, ele foi, juntamente com Gilberto Gil e Caetano Veloso, um dos iniciadores da música popular brasileira. Figura da oposição à ditadura militar (1964-1985), sofreu censura e exílio, em 1969, primeiro na França, depois em Roma, antes de retornar ao Rio de Janeiro no ano seguinte.
Na década de 1980, ele foi ativo no movimento Diretas Já, que ajudou a pôr fim ao regime ditatorial. Brilhante e trágico, engraçado e reservado, ele tem constantemente que exceder de seu papel como o cantor por uma intensa atividade na cena social e cultural do país.
Apoiador de longa data de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente preso desde abril de 2018, Chico Buarque assistiu durante a última campanha presidencial ,vencida pelo candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro a raiva exacerbar contra o Partido Trabalhadores (PT) no Brasil. Instalado em seu apartamento na ilha de St. Louis, Paris, ele explica, com uma sinceridade muitas vezes tingida de tristeza.

LM. Você solicitou recentemente um visto de longa duração na França. É um novo exílio?

CB. Minha situação atual é muito diferente da de 1969. Não estou no exílio hoje. Estou aqui escrevendo, trabalhando em Paris, como faço quando escrevo normalmente. Simplesmente aqui, em Paris, estou mais quieto. Eu tenho mais tempo, por exemplo, para me concentrar em escrever este livro que comecei no começo deste ano.
No Brasil, em 1969, havia um regime militar no poder, uma perseguição concreta e direta aos artistas.Hoje, artistas e atores culturais no Brasil não são bem-vindos nem bem vistos pelo governo, mas não há perseguição policial como em 1969. No entanto, existem ameaças, não necessariamente contra os artistas. mas contra a esquerda em geral, gays, minorias, mulheres.
Uma cultura de ódio se espalhou para o Brasil de uma maneira impressionante. Este ódio é alimentado pelo novo poder, o presidente, sua comitiva, seus filhos, seus ministros ... Eles desacreditam os artistas, a quem eles consideram inúteis. Cultura não tem valor em seus olhos. Dito isso, quero continuar morando no Brasil, não quero morar longe do meu país.

LM. Personalidades decidiram deixar o Brasil, como o MP e ativista gay Jean Wyllys, o escritor Anderson França, a filósofa Marcia Tilburi ou a antropóloga e feminista Débora Diniz. Isso é preocupante?

CB. Estas são pessoas que foram diretamente ameaçadas, suas famílias também. Há o caso de Marielle Franco [socialista eleita e afro-feminista assassinada em março de 2018], um crime impune. A investigação, às vezes, dá a impressão de que está prestes a ter sucesso, mas no final ela nunca é bem-sucedida.
De certa forma, é um governo associado a milícias [ex-policiais, militares, bombeiros e outras grandes armas suspeitas de terem organizado o assassinato de Marielle Franco]. Há fortes indícios de ligações entre a família de Jair Bolsonaro e as milícias cariocas, mas também com o governo do Estado do Rio.

LM. Em 2015, você foi agredido verbalmente no Rio, deixando um restaurante. A difusão de imagens provocou uma cascata de reações nas redes sociais. Foi revelador das tensões que atravessam o Brasil?

CB. Eu não vou para redes sociais e me protejo de tudo isso. Se eu me colocar nisso, ficarei apavorado! Ataques verbais desse tipo, sim, acontecem o tempo todo na rua. É por isso que existem lugares que não frequento, como alguns restaurantes. No Rio só vou no máximo, em três ou quatro estabelecimentos ...
Eu moro no Leblon [bairro nobre do Rio] há muito tempo e me acostumei a andar livremente pelas ruas. Tudo está lá, é fácil, eu gosto muito dessa vida. Hoje tenho que desistir disso. Eu não ando mais pela praia. Sim, tenho que mudar meu estilo de vida. Eu sou uma pessoa caseira, por isso não é tão ruim.

LM. Como chegamos aqui?

CB. Tudo isso vem de longe. Mas concretamente esta situação remonta ao impeachment de Dilma Rousseff. De 2013 a 2014 e a campanha para a eleição presidencial, a imprensa e a televisão travaram uma guerra contra o governo e o PT.
Tenho muitas reservas sobre o PT: o partido teve seus episódios de corrupção, como os governos anteriores. Mas depois da derrota da direita na eleição presidencial, houve um incrível estigma do PT, que teve um tremendo impacto nas pessoas. Foi muito difícil lutar contra isso.
A direita convencional foi às ruas para protestar. O movimento cresceu e foi infiltrado pela extrema direita, por indivíduos que queriam, entre outras coisas, o retorno dos militares. Em 2016, houve a demissão do presidente. Após o impeachment os ataques começaram contra Lula. O timing perfeito. Ele é sentenciado no segundo caso. O recurso na terceira instância, quando possível, é estranhamente bloqueado pela Suprema Corte. Lula é impedido de aparecer, ele nem pode participar da campanha, o PT se torna o símbolo da corrupção e o direito é o único recurso para salvar o país.
Lula está preso há mais de um ano. Até hoje, nenhuma evidência foi apresentada para indicar qualquer corrupção em relação a este triplex que ele supostamente recebeu de um grupo de construção. E o juiz Sergio Moro, o mesmo que foi o arquiteto de sua condenação, tornou-se Ministro da Justiça ... As revelações, publicadas nos dias de hoje, pelo site The Intercept, de Glenn Greenwald, mostram bem a parte da sombra que envolve toda esta operação.

LM. Elas vão mudar a situação?

CB. Ainda é cedo para dizer. Eles vão tentar sufocar essas revelações. Mas já entendemos que o juiz havia concordado com o promotor para condenar Lula.
Como você descreve o poder no lugar?
Provavelmente não é estritamente falando fascista porque não tem todas as características de tal movimento. Por outro lado, pode-se dizer que ele é um neofascista, porque compartilha muitas práticas com regimes autoritários de direita.

LM. Bolsonaro diz que se envolveu em uma luta ideológica contra o que ele chama de "marxismo cultural", um pensamento que teria sido aninhado na sociedade brasileira. Isso é uma expressão desse "neofascismo"?

CB. Este governo é bicultural, não tem interesse em questões culturais ou questões de educação. A influência deste tolo da Virgínia [ Olavo de Carvalho, astrólogo e autoproclamado filósofo, exilado nos Estados Unidos] em Bolsonaro e alguns ministros, pelos quais ele é um verdadeiro guru, é incrível. O Ministro da Educação é contra a educação. Ataca universidades, corta orçamentos, trabalha contra a educação. O Ministro do Meio Ambiente é contra o meio ambiente. Isto certamente não é uma surpresa para aqueles que acompanharam a campanha de Bolsonaro ou aqueles que conheciam sua carreira, sua obsessão por armas ...
Às vezes acho melhor ainda que não haja ministro da cultura neste governo! A cultura já é atacada por todos os lados. Se houvesse um ministro, a situação seria ainda pior ... eu não sei como tudo isso vai acabar. Um fracasso desse governo parece auto-evidente.

LM. Quais foram os erros do PT?

CB. Para ser eleito, o PT teve que desistir de muitos de seus ideais. Lula estava cansado de perder as eleições. Ele decidiu fazer do PT uma festa do governo. Ele, portanto, fez concessões, acordos com forças que o PT não teria aceitado em tempos normais. O PT deixou de ser realmente esquerdista para se tornar um partido social-democrata. A dissidência surgiu dentro do PT, muitos membros foram embora. Depois houve os sucessos econômicos, o progresso e as conquistas sociais. Lula era bem visto pelos banqueiros e empresários. Depois veio a crise, sob Dilma, a queda da economia e a recessão internacional, essa ideia também de "bem-estar", tão prevalente entre as elites, que começou a corroer e a se romper.

LM. A democracia brasileira funciona assim: se o chefe de Estado não é bom para os negócios, é inútil e precisa sair.
E o Lula?

CB. Lula é uma figura extremamente carismática e é difícil crescer em sua sombra. Esse problema existe há muito tempo à esquerda. Devemos pensar em uma alternativa diferente, não necessariamente incorporada por Lula. Mas tal figura é difícil de encontrar. Tudo está indo tão rápido ...
Há também uma lacuna entre o PT e as outras formações da esquerda. A união dessas forças é, no entanto, fundamental para encontrar uma alternativa. Mas eu não vejo uma solução hoje, porque há muito ressentimento contra o PT. Muitos ativistas e eleitores de outros partidos se sentem traídos e desprezados.

LM. Uma mobilização no exterior contra o governo Bolsonaro está aparecendo, particularmente em Paris e Nova York. É importante para você?

CB. Sim, ainda é importante, mesmo que seja difícil medir sua eficácia. O prestígio do Brasil hoje é próximo de zero no exterior. E desde a eleição de Bolsonaro, há muito menos conversas sobre o Brasil na mídia estrangeira. O interesse neste país diminuiu drasticamente.
Veja o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo: ele é um tolo [ele prometeu "a eliminação da ideologia petista" e garantiu que "o nazismo é de esquerda" , uma pessoa que trabalha contra a política externa do Brasil. Esse homem vai contra a história da excelência da diplomacia brasileira.
Mesmo sob a ditadura militar havia uma tradição de bons ministros do Exterior. Isso continuou sob a direita, centro e esquerda. Nós sempre fomos respeitados no exterior por isso.
Durante o meu exílio, a embaixada brasileira foi um lugar onde fomos buscar informações e ler jornais. É impensável hoje em dia. Eles fecham as embaixadas, mudam todo o pessoal, remodelam toda a estrutura para instalar pessoas que aderem ao pensamento deste ministro.

LM. Em seus romances, os personagens estão imersos em uma espécie de irrealidade constante. É essa a percepção que você tem do Brasil hoje?

CB. Sim, é uma constante na história brasileira. Uma constante que até assume a forma de um pesadelo, onde tudo parece surreal. As pessoas perguntam: "Quando vamos acordar? Aqueles que se acostumam a isso são aqueles que votaram nesse presidente. Nós, os artistas que viveram a ditadura, não podemos nos acostumar

2 comentários:

  1. Coitado de Chico Buarque. Nunca o imaginei fanático por ideologias. Hoje dá uma entrevista deste tipo achando que tudo que o PT (esquerdas) fez foi bom e progressista. Chama de crise a descoberta das falcatruas feitas por Lula e seu grupo. Se havia roubalheiras desde que os civis assumiram o poder, porque achar que houve progresso com essa podridão escondida? Ele precisa encarar a realidade e não ficar achando que Lula não teve culpa de nada e não sabia de nada. Ainda acha que houve corrupção, mas não de Lula. E como se explica estarem os corruptos devolvendo dinheiro de propina? São altruístas e gostam de ajudar o próximo?
    Gosto muito de suas composições e o acho um gênio neste ramo, mas Deus não dá mais de um talento às pessoas. Portanto, continue no meio músical onde você é gênio, por que na política e adjacências você é um fanático e enxerga só de um lado: o pior. A falsa democracia que caiu de podre em todo o mundo, conseguindo tornar a população de dois países (Cuba e Corea do Norte) em escravos da ideologia ditatorial. Ou eu estou enchergando mal?

    ResponderExcluir