sábado, 15 de junho de 2019

A SERVIÇO DOS POBRES?


Distanciei-me de qualquer religião antes dos vinte anos e nestas mais de seis décadas de ateísmo, confesso ter admirado somente dois papas: João XVIII e o atual Francisco. As atitudes e declarações do argentino conferem com o nome por ele escolhido. O magrelo de Assis – que muitos consideraram uma possível reencarnação do Cristo - fez tremer os bastidores do Vaticano e as riquezas patrimoniais do Cristianismo foram devidamente questionadas. Idênticas são as posturas do atual papa.
Estive pensando na incoerência de Roma, ao conferir o avanço da recuperação da igreja da Conceição da Praia, sob o manto protetor do IPHAN, dos dois imóveis contíguos, agora adaptados para salão de festas dos eventos do dito templo. Além de lamentar a medonha mediocridade - pedindo perdão pelo pleonasmo - da solução encontrada para a fachada, discordo em absoluto do uso do dinheiro púbico para algo de total irreverência para a sociedade. Especialmente quando nos lembrarmos que estes R$12 milhões e tanto teriam uma serventia muito mais convincente se investidos na restauração do convento de São Francisco, prestes a perder muito de seu esplendor, começando pelos excepcionais azulejos barrocos. Este sim é um monumento da máxima importância para o patrimônio cultural do Brasil. Outro bem da Igreja – salvo erro meu - que deveria ter sido há muitos anos adequado para o uso público, é o enorme terreno da rua da Graça, perto do Largo da Vitória. O centro da capital tem excesso de imóveis e carência dramática de espaços verdes. Não seria o caso de considerar a desapropriação de tão importante pedaço de terra para plantar árvores frondosas à sombra das quais crianças e adultos poderiam brincar e descansar ouvindo pássaros?
Neste século XXI onde as muitas igrejas cristãs rivalizam sem piedade para ver qual vai ter mais milhões de fregueses a pagar polpudos dízimos permitindo pastores andarem de helicóptero pago pelas favelas que sobrevoam, que tal voltarmos ao ensino de quem andou de jegue até o último momento? Mas não foi a miragem dos prazeres seculares que convenceu um arcebispo a vender a primeira catedral do Brasil, outro a abandonar o palácio da Praça da Sé para uma mansão no Campo Grande e outro a vender esta mesma mansão para morar num condomínio de luxo, longe dos mendigos, pescadores e marias-madalenas?

Para lembrar a estes mercadores que andam de carro com motorista quando não de avião particular que o cristianismo deveria ser outra coisa: De confortável família francesa, Henrique Peregrino da Trindade veio a pé de São Paulo. Vive e dorme na igreja malconservada perto do fedorento Mercado do Peixe onde acolhe os esquecidos dos poderes públicos e espirituais. 
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde  15/6/19

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