segunda-feira, 7 de março de 2022

TRÊS GOLAÇOS

 

Três “golaços” na Gamboa, comunidade preta de Salvador

Na calada da noite acontecem as execuções e o extermínio da população negra na capital baiana


Fotos de Felipe Iruatã @felipe.iruata

Por Franklim Peixinho @prof.franklimpeixinho

“Na calada da noite acontecem coisas”, bem à noite, que tem a cor da pele do povo da Gamboa, a mesma pele preterida entre animais de estimação de gente branca que foge de uma guerra. Aqui, do outro lado do Atlântico, há uma guerra que não cessa, que enlouquece, violenta corpos e almas pretas; e que sentencia que vidas de pessoas pretas não valem nada. Pelo dia, brancos descem as escadas da Gamboa para curtir o verão soteropolitano, mas, após o pôr do sol, a classe média branca vai para casa assistir o extermínio pela TV, e no dia seguinte, lamentar no máximo, enquanto arrumam o coller para mais uma dia de sol na piscina, já que a Gamboa deve tá “barril” esses dias.   

Um bando de “dragões grandões” agrediram um morador da Gamboa e levaram seu dinheiro… sim, um dia antes do assassinato de três jovens pretos, no domingo de Carnaval, ladrões fardados invadiram aquela comunidade para torturar e assaltar, fato denunciado pelo companheiro Marcos Rezende, morador da Gamboa e militante do Coletivo de Entidades Negras. Eles – talvez outros fardados – voltaram na noite do dia seguinte e executaram sumariamente, como na Vila Moisés. “Ah… mas eles tinham passagem”, indagou um repórter, “houve troca de tiros”, relatou um oficial da PM baiana, prontamente interrompido por uma mulher preta da Gamboa, que contrapunha a versão batida e nada original para execuções sumárias de pessoas pretas em comunidades populares. Esta “neguinha atrevida”, tal como a da epigrafe de “Racismo e Sexismo” de Lélia Gonzalez, só não foi agredida ou até mesmo morta ali mesmo, pois a tal entrevista estava sendo transmitida ao vivo, aí pegaria mal, ou Ruim, o golaço para todo mundo ver, mas quase foi agredida por um policial tamanho “G” de genocídio.
As forças de segurança pública baiana encontram respaldo em suas ações de extermínio contra pessoas pretas, na explícita política letal e étnica que compara cada tiro certeiro como um gol de um artilheiro na marca do pênalti, palavras do governador da Bahia.

Enquanto o mundo se comove com a vidas ucranianas, Gamboa, Somália, Síria…, mesmo bombardeadas e invadidas para execuções, seguem invisíveis, porque ali é o “carbono vivo” destruído e não há a vida para se lamentar. São vidas que se ceifam sob dor, injustiça, desesperança e ódio. Esta doença pandêmica do racismo impede que a pessoa preta fuja de uma guerra entre brancos, e coloca pretos fardados para matar pretos sem farda.


A Bahia é o reino das ilusões perdidas, em que parece que o único caminho é fazer algumas alianças de sobrevivência(?) com o bolsonarismo de “esquerda”, e não é. Um labirinto político que deve ser contornado para discussão da desmilitarização da polícia, combate a “micilianização” na segurança pública e o resgate da humanização que o colonialismo nos retirou, produzindo o desvalor da vida preta, a tal carne mais barata.   

Os antigos diziam que ao se cogitar o absurdo, na Boa Terra se encontra precedentes. Sim, o daqui é igual ao de lá, só que mais polido e Ruim.    

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