Jairo José da Silva
Domingo é dia que normalmente falo sobre o concerto de sábado. Hoje será diferente, vou falar sobre o desastre de sábado.
Mal começara o concerto, iniciaram-se os gritos de uma criança nos camarotes superiores, dois andares acima da plateia onde eu estava e exatamente sobre a minha cabeça.
Todos esperamos que uma mãe ou um pai controlasse a situação. Em vão. Os gritos da criança continuaram. Primeira peça, pausa. Segunda peça, um concerto barroco para trompete. A criança continuava. No segundo movimento, um adagio, o solista interrompe o concerto e se põe a tocar uma canção de ninar na direção da criança. O público ri, desconforto geral
Ninguém da Sala faz qualquer coisa para solucionar o problema. Eu me aproximei do palco tentando chamar a atenção do diretor artístico no camarote vip para pedir alguma ação, mas ele parecia decidido a não mostrar que estava se dando conta do ocorrido. Nisso, duas violinistas pedem que eu chame alguém porque eles da orquestra estavam bem nervosos com o incidente. Mas, nada, ninguém da administração ou monitores à vista.
Intervalo. Eu e várias outras pessoas procuramos os funcionários pedindo providências. Uma me diz que essa era uma ação “inclusiva” da Osesp! Como se fosse correto fazer a iniciação musical de crianças arruinando o espetáculo para mais de 1.000 pessoas que pagaram até R$200 pelo ingresso. Sem avisar!
Um senhor se aproximou de mim, mostrando no celular a mensagem que tinha enviado para o diretor da Orquestra pedindo providências, e a resposta dele: se eu tiro essa criança da sala amanhã o MP está na minha porta.
Várias pessoas irritadas e o pessoal da Sala não apenas se dizendo impotente, mas defendendo a mãe e sua atitude. Inclusão, diziam, como se a inclusão de um pudesse ser feita às custas da exclusão de 1.000.
A situação piorou logo depois. Quando eu estava falando com uma coordenadora, que me parecia responsável pela ideia de trazer crianças barulhentas ao concerto, pedindo meu dinheiro de volta, um indivíduo que me parecia em tudo e por tudo um não frequentador habitual dos concertos, aproximou-se e começou a me hostilizar, parabenizando a coordenadora pela iniciativa.
Eu o evitei, mas ele me seguia dizendo que era eu que deveria ser retirado de lá.
Segunda parte. Primeira peça, os gritos continuam. Um muxoxo geral percorre a Sala. Irritado, me retiro e espero no café meus amigos, minha irmã e sobrinha saírem para irmos jantar.
Terminado o desastre, nos encaminhamos ao estacionamento. Lá, sou cercado pelo tal homenzinho que me hostilizara antes, a mãe do menino, o próprio e um grupo de policiais. Sim, policiais, e da tropa de choque! Era a primeira vez que eu via a criança e a mãe. O menino parecia autista, a mãe, uma pessoa bastante simples. Os polícias me dizem que devo segui-los até a van da polícia militar estacionada em frente à Sala para prestar depoimento. A mãe, com quem eu nunca tinha me encontrada na Sala - e com o menino muito menos - pois estavam ela e o filho dois andares acima de mim, com o “testemunho” do homenzinho, me acusava de ter injuriado a criança!
Saio das dependências da Sala escoltado por uns cinco policiais sob os olhares estupefatos do público. Todo o processo de depoimento toma pelo menos uma hora e meia. Feito o B.O., sou liberado.
Ao ver a mãe e o homenzinho juntos, uma suspeita se apossa de mim. Tudo tinha sido uma armação! Alguém, querendo criar uma situação com potencial lacrador, levou propositalmente uma criança com limitações mentais a um concerto exatamente para criar stress e forçar uma reação que seria classificada como preconceituosa.
Enquanto a mãe ficava no alto para garantir que todos ouvissem os gritos da pobre criança, o homenzinho percorria o andar térreo em busca de um antagonista para poder fazer o que fez. Eu fui o sorteado. Tenho a impressão que ainda vou ouvir falar deles.
P.S. Se alguém que leu este depoimento tiver presenciado o incidente, gostaria de ouvir o que você tem para contar.
Primeiramente gostaria de parabenizar a sua coragem pois noção você CERTAMENTE não tem. O título do relato já é algo que demonstra o seu total desconhecimento sobre assuntos relacionados a pessoas com autismo. Quando partimos para ler o relato, tem-se a certeza de que você é completamente desconexo a realidade. Talvez eu esteja enganado, talvez você esteja inteirado, mas a uma realidade que exclui e segrega pessoas. Exigir que uma crianças autista seja retirada de um ambiente na qual está a proporcionando acesso a cultura e música, no dia mundial da conscientização do autismo, demonstra que você e outras pessoas que estavam presentes, que também compactuam com esse pensamento, apenas sejam vistas como segregadoras. Você aponta a inclusão de 1000 pessoas. Pessoas que como você podem frequentar aquela Sala quando bem entendem, alguns até assinantes, ou seja, fecharam um pacote para acompanhar diversos concertos, quer mais inclusão que isso??? Se você e outros não sabem lidar com diversidade então talvez vocês tenham que procurar ajuda psicológica para aprenderem que vocês não vivem em uma sociedade homogênea. Não queira negar cultura a uma criança, seja ela qual seja. Se você tem esse direito, ela também tem.
ResponderExcluirNem tanto ao céu, tampouco ao inferno. Sim, o título é infeliz, sem dúvidas. Notadamente a pessoa ficou bastante incomodada e lidou com uma situação de forma não tão compreensiva quanto seria o ideal. No entanto, sejamos empáticos. Existem dois lados da mesma história. Penso que a iniciativa da organização no sentido de fomentar a inclusão de crianças (autistas ou não) em eventos culturais/artísticos é excelente, mas poderia fazer levando-se em conta certas particularidades, afinal de contas, trata-se de um concerto de música. Quam sabe dar ciência, publicamente, sobre a iniciativa? Assim quem quer que seja poderia optar por ir ou não. Vivemos um processo coletivo de aprendizado em relação à inclusão de pessoas especiais num convívio coletivo único que vai incitar questionamentos e reflexões ainda sem respostas absolutamente claras.
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