Afresco de Pompeia mostrando a poetisa grega Sapho portando tabuletas de cera
e o estilete de escrever
Numa fresca manhã de outono do ano de 79 d.C., o vulcão Vesúvio acordou de um prolongado sono de mais de 500 anos. Aos seus pés, floresciam vinhas e uma pequena cidade voltada para as alegrias da cama e da mesa: Pompeia. Em poucos minutos, fogo e cinzas sepultaram copos de vidro, jarras coloridas, estátuas de mármore e pães recém-saídos do forno. As casas decoradas com mosaicos e afrescos tornaram-se o túmulo de milhares de pessoas cujo cotidiano incluía a reflexão sobre a morte como estímulo para desfrutar a vida em plenitude.
Pompeia permaneceu soterrada por mais de dezesseis séculos e foi redescoberta em 1748, preservada como uma cápsula do tempo. Desde então, fascina milhões de pessoas por trazer de volta, em detalhes, o modo de vida dos romanos do século I. Ao ver seus pedaços, é inevitável o arrepio: móveis, potes e alimentos tão semelhantes aos das nossas casas do século XXI. Dois milênios se passaram e continuamos a fazer as coisas do mesmo jeito, a ver desaparecer preciosidades num piscar de olhos.
Pompeia é ostensivo recado sobre a necessidade de desfrutar a vida, pois que a morte está à porta para arrebatar os tesouros que acreditamos possuir. Os fragmentos de seu cotidiano desaparecido são lembretes da fragilidade da existência e tradução da impermanência que marca todas as coisas.
O deus Baco dominava a vida em Pompeia. Estava presente nos santuários domésticos, mas seu espírito estava em toda parte da cidade. Esta era fascinada por mesa farta, pela arte de beber em abundância e pelas festividades. Carpe diem (aproveite o dia), seu lema.
A sexualidade era tema recorrente. Nas casas, afrescos mostravam cenas eróticas – alguns exibindo casais em pleno ato sexual ou esculturas com pênis de tamanho exagerado, referência ao deus grego Priapo, que reunia a explosiva combinação dos amores de sua mãe Afrodite com os vinhos de seu pai, Dionísio (que no panteão romano viria a se tornar Baco).
Num átimo, a Pompeia de abundantes festas, música, bebida, sexo e mil outros deleites viu tudo soterrado, queimado, perdido. Escravos e senhores, jovens e velhos, bons e maus transformados em estátuas de cinzas.
Não faltaram sinais de alerta aos habitantes da cidade. Durante meses eles os notaram. Ainda assim, decidiram permanecer. Talvez considerassem que desfrutaram de todas as delícias possíveis e tudo estava bem. Afinal, a morte era sempre lembrada em meio aos risos e alegrias das festas romanas. Não por morbidez, mas como um lembrete para aproveitar os prazeres da vida. Os convidados de um banquete viam objetos que lhes recordavam a própria mortalidade, meditavam sobre eles, conversavam sobre o seu significado profundo e se sentiam ainda mais motivados a aproveitar cada segundo da festa, das comidas, do vinho. Ainda hoje tenho viva memória de um desses objetos, um mosaico no qual um esqueleto carrega uma askoi (jarra de vinho) em cada mão. Convenhamos: a morte espreitando atrás do sorriso de Baco não deixa de ser um poderoso exercício filosófico.
Sorrio, medito no significado e faço como os romanos: ergo a taça dos meus dias em um invisível brinde à vida.
Carpe diem.
Sonia Zaghetto. Imagem: afresco de Pompeia mostrando a poetisa grega Sapho portando tabuletas de cera e o estilete de escrever)
Lindo texto sobre a vida e a morte.
ResponderExcluirSempre bom rememorar e refletir as circunstâncias da vida e da morte.
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