quinta-feira, 9 de junho de 2022

IMBECIL QUEM?

Nelson Varón Cadena


Umberto Eco patinou quando proferiu em 2015 a infeliz sentença de que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis” e no que me parece um surto de arrogância__ olhe aí eu caindo na tentação de julgar os outros__ completou: “A Tv já havia colocado o idiota na aldeia em um patamar no qual ele se sentia superior. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia em portador da verdade”.
Resumindo: A TV é um território dos idiotas e a internet um território dos imbecis. Faltou explicar se o jornal e o livro, territórios nos quais o filósofo e escritor italiano transitou em vida, estaria livre dos idiotas e imbecis.
O dicionário me informa que imbecil e idiota pertencem à mesma categoria: “aquele que se revela, ou se comporta com pouca inteligência; idiota, tolo”. E na medicina Michaelis esclarece: “aquele que tem nível mental levemente abaixo da idade cronológica”. No diagnóstico médico não me parece que seja público que frequenta as redes sociais, se é assim fora de qualquer julgamento.
A sentença de Eco acabou sendo sentença no sentido literal da palavra e não alegórica. Condenou bilhões de pessoas, habitantes do planeta, que não frequentam a bolha dos intelectuais e das pessoas cultas, ou supostamente cultas, igual, presos à mesma bolha. Umberto Eco não previu a letalidade de sua frase, uma das sentenças mais infames já proferidas neste século. Dividiu a humanidade nos que tem direito a opinião e os que não deveriam ter por que tem pouco estudo, pouca inteligência, escrevem errado, não tem compreensão de texto, não sabem como desenvolver um argumento. Se é que eu entendi direito, ou quem sabe eu seja o imbecil da história.
Emitir opinião seria um privilégio de quem tem o direito à voz. Uma sentencia excludente. Quem tem esse direito? O próprio Eco não o teria já que em vida não era usuário das redes sociais, a sua conta no Twiter que divulga a sua obra, foi criada um ano depois de falecido, certamente administrada pela família, ou admiradores. O diferencial da internet em relação às plataformas tradicionais de comunicação foi justamente permitir ao usuário das redes sociais ter voz, sem filtros. Ter voz é uma conquista universal que a internet nos facultou.
Num passado não tão remoto quem escrevia cartinhas para os jornais e revistas passava pelo filtro de um editor que se incomodava se o sujeito escrevesse pobrema no lugar de problema e a carta ia para o lixo. Quem ligava para a emissora de rádio, em geral, passava pelo filtro do tema abordado: serviço público, ou solicitação de uma música. E em tempos recentes pelo filtro do atendente do telefone que antes de transferir para o estúdio eliminava o chato e outros da espécie.
As redes sociais deram voz a todos e cada um opina o que quer. A sua opinião é uma construção mental a partir das informações que consome, do que lê, do que entende e como entende, da troca de mensagens de seu grupo. Se Eco tivesse frequentado o Facebook ou Instagram da garota gravida de 16 que largou a escola, do Calabetão, do rapaz desempregado da Polêmica, da dona de Casa da Palestina, Canabrava, ou da Ilha de São João, teria compreendido alguma coisa? Nesse caso quem seria o imbecil?
Ainda bem que a internet deu voz a todos e essa voz é uma questão intima, cada qual se expressa como quer e como pode.
O Facebook nos oferece a oportunidade de rever quantas bobagens escrevemos um dia, na ferramenta que nos lembra as postagens antigas. E ai você se questiona, eu escrevi isso? Eco tinha razão. Se existe a fila dos imbecis, entro nela e guardo com carinho um lugar para você, se me permite. (nelson cadena)
Meu artigo publicado no Correio

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