Tamara de Lempicka - "The Kiss", ca 1922.
Se hoje o beijo na boca é uma das demonstrações de afeto e romance mais democráticas, você alguma vez já parou para pensar na origem deste hábito? Sim, porque um dia na História, alguém olhou para outra pessoa e decidiu encostar seus lábios e tudo aquilo que já sabemos de cor. Afinal, de onde surgiu o beijo na boca?
O primeiro registro de duas pessoas se beijando surgiu no Oriente, com os hindus, em aproximadamente 1200 a.C., no livro védico Satapatha (textos sagrados em que se baseia o bramanismo), com muitas referências à sensualidade. No Mahabarata, poema épico presente na obra com mais de 200 mil versos, a frase: “Pôs a sua boca em minha boca, fez um barulho e isso produziu em mim um prazer”, não deixa dúvidas de que, naquela altura alguém havia descoberto o prazer do beijo na boca.
Alguns séculos depois, inúmeras alusões ao beijo surgem no Kama Sutra. Uma das obras mais famosas da humanidade, ainda detalha a prática, a moral e a ética do beijo. No entanto, se os hindus são detentores do título de inventores do beijo na boca, os soldados de Alexandre Magno foram os grandes difusores da prática. Eles dominaram parte da Índia, entre 327 e 325 a.C., e, quando partiram para outras terras, levaram na bagagem o ensinamento amoroso. A partir de então, por onde passavam, na trilha de guerras e conquistas, espalharam o hábito de beijar, até que se tornasse bastante comum em Roma.
Nessa época, o hábito estreou em grande estilo na capital do mundo antigo: Roma. Lá, com o tempero local, ele se desmembrou em três versões: o 'osculum', o beijo de amizade; o 'basium', mais sensual, entre homem e mulher; e o 'savium', que o poeta Ovídio definiu como “de língua, voluptuoso e vergonhoso”. Outro poeta romano, Catulo, o descreveu como “mais doce do que o doce da ambrosia”.
Se entre os romanos o beijo manteve contornos eróticos, para os gregos ele tinha funções protocolares, quase burocráticas: beijava-se para selar um acordo e para demonstrar respeito. Os cidadãos de mesmo nível social encostavam os lábios. Se um deles era de uma casta inferior, o beijo era no rosto. E quando a diferença social era ainda maior, os lábios de um desciam aos pés do outro.
Existe certo paralelismo histórico no que toca à trajetória do beijo. Nem todo esporte labial de alcova advém dos hindus. Na Antiguidade, populações pré-colombianas viam no ato de unir os lábios um gesto quase suicida. “Eles acreditavam que a alma poderia sair pela boca e que o beijo era uma maneira de arrancá-la do corpo”, afirma o antropólogo Fernando Segolin, professor da PUC de São Paulo. Ou seja, havia o beijo, mas com um sentido completamente diferente da tradição indo-europeia.. “O contato labial era geralmente ritual e simbolizava a intenção de comer a outra pessoa, uma manifestação do aspecto antropofágico dessas culturas”, diz Segolin.
Apesar das tentativas frustradas da Igreja de proibir o beijo, no século XVII ele já era popular nas cortes européias, onde era conhecido como “beijo francês”. Vale lembrar que o beijo na boca é uma prática presente apenas entre os seres humanos: “O beijo é um comportamento aprendido e surgiu como uma saudação proveniente do hábito de nossos ancestrais de cheirar os corpos uns dos outros. Eles tinham o olfato desenvolvido e identificavam pelo faro, não pela visão, os parceiros sexuais”, afirma o antropólogo Vaughn Bryant – da Universidade do Texas.
Para o pai da psicanálise, Sigmund Freud, a boca é a primeira parte do corpo que usamos para descobrir o mundo e saciar as necessidades, e o beijo é o caminho natural para a iniciação sexual. Seja como for, o beijo é mais do que sexo e muito mais do que uma simples convenção. Ele é o que nos diferencia dos outros animais e a prova de que todo ser humano precisa de um pouco de romance.
Helena Lacerda
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