sexta-feira, 9 de junho de 2023

VIAJAR E VIAJAR

Rue des Consuls - Rabat. Foto Dimitri Ganzelevitch

Um amigo do filho de uma amiga vai com a esposa a Marrocos e pede umas dicas a respeito do país que conheço quase como a palma de minha mão.

Ele esclarece que pretendem ir a Chaouen, Fez, Marrakesh e o deserto do Saara. Em onze dias. Tirando o dia da chegada e o da saída, sobrarão nove. Bem do tipo que quer conhecer a França durante um feriadão ou o Brasil numa semana. Me lembrou uma anedota de minha adolescência.

Duas americanas estão olhando pela janela do ônibus. Uma pergunta que cidade estão vendo. A outra responde: “É quinta-feira? Deve ser Bruxelas”.

Para ir a Chaouen, tem que passar por Tânger. E não irão até o Socco chico visitar a Legação Americana e o Hotel Continental? Tão pouco às grutas de Hércules esperar o pôr-do-sol para ver o tão celebrado raio azul?

Só Fez e Marrakesh merecem, pela riqueza de seu patrimônio, pelo menos uma semana cada. Não conhecerão o fabuloso patrimônio Art Déco de Casablanca, prestes a ser tombado pela Unesco, e a Grande Mosquée. Não almoçarão no pátio encantado do La Scala. Não visitarão as fortificações portuguesas de El Djadida e de Essaouira onde Orson Welles filmou Otelo. Perderão os jardins escondidos nas muralhas dos Udaias e do Chellah em Rabat.

Confesso que abomino este tipo de viagem vapt e vupt. Prefiro perder dois terços do país, mas saborear devagar aquilo que tenho a sorte de poder visitar. Já fui quatro vezes ao Peru, cinco ao México e só conheço, e mal, uma muito modesta parte destes fabulosos países. Em Cusco, passei dez dias e em Ayacucho uma semana. E sei que ainda me restaria descobrir um monte de segredos. Em Puebla, duas vezes convidado e mais três por conta própria, teria que voltar uma sexta vez para investigar melhor as redondezas. Em Petra, a maioria dos visitantes passa um dia. Fiquei uma semana subindo morros íngremes e descendo encostas escorregadias. Já tinha meus costumes no café junto ao Tesouro. Uma noite assisti a um concerto de música árabe antiga com o monumento iluminado por mil velas.

Visito cada museu, cada templo. Bato perna nas feiras, nos livreiros e nos antiquários. Faço questão de ser comunicativo, qualquer que seja a língua. Converso com os vizinhos do trem ou do ônibus. Vou experimentar a comida nos mercados e sento durante horas nos bancos públicos a olhar o povo passar, sua forma de andar e de vestir. Vou aos rituais, procissões, concertos e óperas.

Odeio selfies, mas fotografo tudo aquilo que me parece significativo. Mantenho um pequeno diário onde anoto informações essenciais e alguma reflexão. Muito me ajudarão a lembrar até de detalhes que não registrei.

Se tivesse que sugerir duas cidades no Brasil para conhecer em onze dias, seriam, pela força de suas identidades, Salvador e Belém. 

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