sábado, 10 de setembro de 2016

FESTAS INFANTIS

Áustria – A indústria das festas infantis

Por  | Áustria
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O título do texto é uma "pegadinha", porque aqui na Áustria essa indústria não existe e não se cria.
Primeiro aninho em famíliaTenho plena consciência de que as festinhas como ocorrem no Brasil, são, na grande maioria, fruto de todo um sistema de comércio e de mídia que dirige os pais, e, principalmente, as crianças a agirem de forma igual, em série, inclusive sob pena de o pequeno que não fizer sua festinha, conforme a regra-padrão, ser considerado um excluído, um "sem-festa", pelos demais amiguinhos, além de a família ser tachada de vários rótulos injustos e, muitas vezes, cruéis.
Por isso, através desse artigo proponho apenas reflexão. Não se trata de julgar qual jeito é o melhor, mas de apresentar novas realidades.
Muito bem, mas como se faz, então, uma festinha de aniversário de criança na terra de Mozart? Em casa, apenas com a família e os amiguinhos mais chegados e, geralmente, em momentos separados: família primeiro; amiguinhos, depois. E o número desses amiguinhos fica em torno de, no máximo, 6, 7 crianças. Esquisito, né? Parece, mas não é!
Primeiro aninho em família
O país, enquanto sociedade de consumo, é bastante consequente. A população, no seu geral, gasta dentro da sua capacidade de orçamento. É simples assim! Há quem se encrenque com dinheiro, sem dúvida, mas a massa de superendividados é bem inferior ao que eu estava habituada a trabalhar como advogada de bancas de cobrança no Brasil. Perfil e motivo de consumo, aqui, são totalmente outros e atrevo-me a dizer que, em 95% dos casos, dentre as pessoas que conheço, os gastos são sempre planejados e feitos de forma muito consciente!
Ah tá, e o que isso tem a ver com as festinhas de aniversário dos pequenos? Tudo!
A primeira medida que se toma ao organizar uma festinha infantil, é lançar os convites, e determinar uma data – uma ou duas semanas antes da festinha - para que se confirme a presença e, se irão, além do pequeno convidado, também pai e mãe ou só pai, ou só mãe. Como o povo é muito compromissado, as pessoas confirmam na data certa e, se não podem comparecer, também o referem na data estipulada. É considerado muita falta de educação não confirmar e aparecer no dia com cara de “cheguei com meu pequeno. Tudo bem?” Ninguém faz isso aqui! Outra coisa que nem passa pela cabeça dos nativos é confirmar 2 pessoas e chegarem 4 no dia da festa.
A partir do número de confirmados, então, é que você vai fazer suas compras para elaborar os comes e bebes, ou encomendá-los. E, como aqui a filosofia do “faça você mesmo” é muito praticada, muitas das coisas servidas nas festinhas são feitas pela mãe ou pelo pai do(a) aniversariante com a ajuda dele(a) inclusive. Mães e pais de todas as classes sociais põem a mão na massa sem constrangimento.
1 aninho só com amiguinhosEsse é um outro ponto interessante: quando os amiguinhos chegam, uma das grandes felicidades do pequeno anfitrião é contar  - quando já tem idade suficiente para isso - que ajudou a mamãe ou o papai a fazer o bolo, ou os docinhos que estão sendo servidos. Isso é extremamente valorizado por todos e incentivado para que assim continue.
Então, não há festas como no Brasil? Com aluguel de espaço, buffet, aluguel de parquinho e recreacionistas e, possivelmente, mais de cinquenta pessoas convidadas? Não! Isso não existe. E, se porventura existisse, a pessoa que assim o fizesse, correria o risco de ser tachada de esnobe, pois para eles, o que importa é, exclusivamente, a criança. Então, o que faz sentido para os nativos é: família e círculo mais íntimo da criança. Tudo o que vier além disso, aos olhos da cultura local de festas infantis, é visto como ostentação, coisa que não é bem tolerada pela sociedade austríaca.
Aluguel de espaço até existe, mas você sempre vai precisar levar alguma coisa ou se adequar ao que o menu oferece como combinação (cachorro quente+biscoitos+suco+bolo; ou batata frita+sonhos+suco+bolo; só bolo+ suco e você leva o resto, enfim), além do que, há locais em que mais de um aniversário é celebrado ao mesmo tempo, portanto você terá, obrigatoriamente, de limitar o número dos seus convidados em razão do espaço físico.
Há também alternativas muito legais e diferentes para se comemorar o aniversário de seu pequeno: alguns museus, palácios, zoológicos e transportes públicos oferecem pacotes de visitação, passeio e festinha. Por exemplo: meu pequeno é desesperado por andar em bonde. Muito bem, há um bonde exclusivo para aniversário. Você contrata e, enquanto ele faz o percurso pela cidade, as crianças se divertem dentro dele e se esbaldam com bolo e guloseimas incluídos no preço. Nos museus, é igual: você convida os amiguinhos do seu filho, eles passam um período visitando o museu ou palácio e, ao final, há um espaço aguardando o parabéns e comes e bebes.
3 aninhosFaço parte de grupos virtuais de mães brasileiras que – assim como eu - estão criando seus filhos fora do Brasil e, volta ou outra, há lamentos e críticas ao país onde estão morando, porque as festas de crianças não são iguais às brasileiras ou porque convidaram a turma inteira do Jardim de Infância, além de todos os vizinhos e só vieram poucas pessoas. Sim, mas a questão é que somente no Brasil funciona desse jeito! Fora dele, é apenas a família e os amiguinhos próximos. E posso garantir, por experiência própria, que a diversão é garantidíssima. As crianças aproveitam e muito! E aquele pensamento que nós, brasileiros, temos de que o coleguinha do Jardim que não foi convidado ficará chateado, só se aplica a nós, brasileiros. O software austríaco tem somente a opção “amiguinhos mais chegados” instalada no cérebro das crianças. Elas sabem que é assim que funciona e não se importam se não forem chamadas para a festinha de um coleguinha com quem nunca brincam no dia-a-dia.
3 aninhos só com amiguinhos
Aqui, a TV estatal veicula pouquíssimos comerciais e, fora uma ou outra propaganda de alimento infantil, pode-se dizer que inexistem peças publicitárias, sobretudo voltadas ao público mirim. Aquele apelo desenfreado de “compre o chinelo da princesa fulana, compre o carrinho do homenzinho sei-lá-quem; compre um pacote de salsichas e ganhe uma capa do super-herói cicrano; adquira um celular e ganhe de brinde uma espaçonave para seu filho”, inexiste!
Como as crianças não são ensinadas e, muito menos, estimuladas a consumir supérfluos, vez que não há sobre elas o avanço da mídia, os pais quase não sofrem pressão de consumo e conseguem, portanto, controlar com mais tranquilidade as vontades dos seus pimpolhos. Há algum tempo ouvi uma frase que serve muito bem para a realidade daqui: “as crianças são criadas para consumir cultura e guardar dinheiro”!
Por isso, afirmo lá no início que indústria de festa infantil, aqui, não existe e nem se cria: a cultura local não permite que se crie um nicho de mercado!
Quando meu pequeno fez aniversário, já no Jardim de Infância, perguntei a professora o que poderia levar para a comemoração com os coleguinhas. A resposta foi de uma singeleza que me encantou: “se a senhora quiser trazer alguma coisa, pode trazer frutas para o lanche. As crianças apreciam bastante”. E assim eu fiz, comprei um cesto de frutas variadas e, ao final do período, recebi o agradecimento da “profe”, dizendo que eles haviam, de fato, se esbaldado com a gentileza.
Que lição eu tiro dessa experiência toda, então? Que família, amigos próximos, não muito dinheiro, simplicidade e envolvimento da criança na produção da sua festinha, transformam a comemoração em algo, de verdade, muito especial para o(a) pequeno(a) aniversariante! E, poder ver a felicidade dele(a) numa situação dessas, isso sim, não tem preço!



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