sábado, 17 de setembro de 2016

OLYMPIA 2016

A CURIOSA SEMELHANÇA ENTRE CASOS CARIOCAS E AS HISTÓRIAS DO NOVO “DOCUFICÇÃO” OLYMPIA


ERA UMA VEZ uma cidade que sediou as Olimpíadas. O símbolo desta cidade era uma grande estátua branca construída no alto de uma montanha, e suas praias eram incríveis. Mas esse maravilhoso lugar também tinha problemas. Seus governantes e empresários aproveitaram as obras bilionárias das Olimpíadas para montar um grande esquema de corrupção e enriquecimento ilícito. O nome dessa cidade é… Olympia!
Lançado no último dia 15, o longa Olympia fala dos esquemas de corrupção por trás dos Jogos Olímpicos de uma cidade extremamente parecida com o Rio de Janeiro. Os personagens da trama também têm histórias com versões curiosamente semelhantes às de políticos e empresários brasileiros que conhecemos.


Mas, afinal, é um documentário ou uma ficção? Olympia mistura cenas documentais de entrevistas com especialistas em direito, auditoria, urbanismo e ética a uma narrativa ficcional que intencionalmente ofusca a linha entre episódios cariocas e os acontecimentos “fictícios”.
Seria uma estratégia para evitar processos? Ou talvez para não acabar como um dos 22 jornalistas brasileiros assassinados, desde 2010, por causa do seu trabalho? Nas próprias cenas do longa, o diretor Rodrigo Mac Niven, que também atua representando a si mesmo, diz que “Isso é um filme, não é uma investigação”. Discordo, mas entendo.
Se você já viu o filme e algo soou familiar, ou se não viu ainda, mas já está curioso para saber as tramas reais que têm tudo a ver com a ficção, preparamos uma lista para você:

iuseppa Bennati / Pasquale Mauro

Giuseppa Bennati, conhecida como a Rainha da Banana. Aos poucos, foi adquirindo terras na Barra do Bananal e se tornou a maior proprietária daquela área. A empresária virou o centro de uma das principais polêmicas imobiliárias da cidade, que envolve os preparativos para Copa do Mundo e as Olimpíadas.
No filme, Bennati é uma empresária de família italiana, que dirige a construtora “Cyrani” e tenta fazer um campo de golfe na “Barra do Bananal”. Mas seus negócios são embarreirados por uma promotora porque o terreno fica em Área de Proteção Ambiental (APA). A “Rainha da Banana” é acusada de conseguir os documentos de posse da área do tal campo de forma ilícita. A construção passa a ser viável com uma canetada jurídica.
Parece que já viu algo parecido em algum lugar?
A construtora Cyrela é dirigida pelo empresário octogenário italianoPasquale Mauro, conhecido como “o Rei da Banana”. Ele ganhou o apelido ao se tornar um grande produtor da fruta do Rio de Janeiro, quando ainda tinha 20 anos.
Segundo uma reportagem do jornal O Globo, de junho de 2011, “virou o centro de uma das principais polêmicas imobiliárias da cidade desde que dois de seus terrenos entraram numa disputa que envolve os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016”.
Em 2006, sua empresa anunciou o lançamento do condomínio de luxoRiserva Uno localizado exatamente ao lado do terreno que hoje é o campo de golfe olímpico. A construção envolve questões jurídicas e ambientais porque tanto o condomínio quanto o campo de golfe estão localizados em terrenos que fizeram parte da APA do Marapendi. Foi a partir da criação da Lei Complementar Municipal nº 125/2013 que a prefeitura conseguiu excluir 58 mil metros quadrados da área de proteção ambiental, permitindo a construção do campo.
Em contrapartida, por usar parte do terreno de Pasquale para um “projeto ou ação de interesse público”, a prefeitura usou uma segunda lei, que trata dereadequação do potencial construtivo. Assim, os projetos de construções a serem feitas nos terrenos do empresário puderam aumentar o gabarito de seis para 22 andares.
Ministério Público do Rio recorreu, afirmando que não foram realizados estudos técnicos antes de se decidir pela diminuição da área preservada. Apesar de os promotores apresentarem provas técnicas apontando inadequações e inconstitucionalidade na lei, o projeto do campo seguiu em frente.

Fernando Guerra / Eduardo Paes

E pior, Fernando Guerra autoriza a destruição de uma área de defesa ambiental, que era uma área pública, que valia mais de 300 milhões de reais, na beira da lagoa. Essa área mais verde aqui era uma unidade de conservação. Era um parque do município de Olympia. Literalmente, ele dá de graça esse parque municipal para Giuseppa Benatti para que ela destruísse isso tudo e isso fosse integrado ao campo de golfe.
No Rio de Janeiro, um episódio parecido. O prefeito Eduardo Paes encaminhou à Câmara dos Vereadores o projeto de lei que permitiu a redução da área de proteção ambiental para construção do campo de golfe olímpico, em 2012.
E aí que começa o terror do chamado Xerife da Barra e a caravana da legalidade. A Vila Autódromo já era alvo dele naquela época. Ele chega a ser acusado de ser o mandante do assassinato de um líder comunitário. Bizarro, essa história! Olha só as paradas que ele disse: ‘Vou passar o trator por cima de tudo, todas as casas serão removidas’.
Em 1993, Eduardo Paes foi nomeado subprefeito da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá pelo então prefeito Cesar Maia. Dois anos depois, o jornal O Globo passou a veicular matérias falando sobre o trabalho do “Xerife” da Barra da Tijuca, elogiando principalmente iniciativas de “choque de ordem” estabelecidas por ele nas praias do bairro.
Naquele tempo, o “xerife” tinha dois alvos declarados: a comunidade do Marapendi e a Vila Autódromo. Ele chegou a dizer que “as pessoas que invadirem serão surpreendidas por tropas de choque, tratores e o que for preciso”.
Em 1993, Paes foi acusado de ser mandante do assassinato do presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo, José Alves de Souza, conhecido como Tenório. Na mesma semana, as investigações apontaram para um ex-policial que havia sido afastado da corporação por envolvimento com grupos de extermínio. Notícias da época, que não revelam o nome do acusado, colocavam o assassinato na conta de traficantes.
À época, a ONU chegou a abrir um inquérito para apurar as mortes de lideranças de comunidades, concentradas justamente na Barra da Tijuca.
Mentiram aqui desde o início na Vila Autódromo e continuam mentindo. Olha a cobertura de mídia que esse cara teve. Editoriais elogiando o Xerife.
Em editoriais no Jornal do Brasil e em colunas sociais, as ações de despejo e de choque de ordem comandadas por Paes eram elogiadas desde 1993.
O único adversário à altura que conseguiu ficar em seu caminho foi Leonel Brizola, morto em 2004, duas vezes governador do Rio de Janeiro. Foi durante seu governo que as famílias da Vila Autódromo conquistaram atitularidade das terras. Brizola chegou a convocar a Polícia Militar para proteger a população, combatendo as remoções forçadas da prefeitura se fosse necessário. Mas não durou muito. O político gaúcho se afastou do cargo em 1994, apenas um ano após Paes se tornar subprefeito da Barra.

João Nasser / Cesar Maia

Em 93, ele (Guerra) lidera a juventude João Nasser. E quando o João Nasser foi eleito, ele foi nomeado subprefeito da Barra do Bananal.
A ficção nos remete ao Rio de Janeiro de 1992. Quem criou o cargo de subprefeito foi o então prefeito Cesar Maia, que deu o distintivo a cinco pessoas, cada uma com uma região da cidade. Paes ficou com a Barra da Tijucae se tornou um dos vários “prefeitinhos” que cresceram na vida política.
Antes disso, porém, Paes fez parte da “Juventude Cesar Maia”, um grupo decapacitação de quadros políticos, do qual participaram políticos como Índio da Costa, hoje candidato à prefeitura do Rio de Janeiro pelo PSD.

Julio Amaral / Sérgio Cabral

Depois, ele e Nasser brigam e ele cola no Amaral. Sobre o ex-governador Amaral eu não preciso falar nada, né. O cara tá cheio de processo nas costas. A Operação Traíra já chegou no nome dele faz tempo. Vocês lembram da turma do guardanapo, construtora Beta? Todos os contratos da Beta eram com os governos, principalmente, aqui em Olympia, com o Amaral.
Na vida como ela é, depois de atuar ao lado de Cesar Maia, Eduardo Paesrompe com o padrinho e une-se a Sérgio Cabral, que responde a um processona justiça por incentivos fiscais e corre o risco de ter que ressarcir os cofres públicos.
Enquanto isso, o nome de Cabral é citado em delações da Operação Lava Jato e sua relação com a empreiteira Delta Construções está sendo investigada.
Fotos do ex-governador se divertindo em Paris ao lado de Fernando Cavendish, empresário ex-dono da empreiteira, com guardanapos na cabeça foram veiculadas em 2012. Cavendish foi preso em junho, acusado de envolvimento em um esquema de lavagem de R$ 370 milhões desviados dos cofres públicos.

Aloísio Trindade / Ricardo Teixeira

O prefeito foi estagiário do Aloísio Trindade, na IBF. Preciso dizer mais o quê? Aliás, eu nem preciso, você viu o discurso que ele fez na câmara, em defesa do Trindade… Esse Trindade foi acusado pelo departamento de justiça dos Estados Unidos, acusado de corrupção.
Já quando a vida imita a arte, temos: “Tenho o prazer de dizer que um dos meus primeiros empregos foi como estagiário da CBF”, disse Eduardo Paes ao lançar a pedra fundamental da nova sede da Confederação Brasileira de Futebol. O presidente da confederação, então, era Ricardo Teixeira.
Em 2010, Teixeira foi homenageado na Câmara Municipal do Rio, com direito a um discurso comovente do prefeito, que afirma ter “a honra de ter sido estagiário do Ricardo Teixeira”. Atualmente, o cartola é acusado pelo FBI por corrupção. Na ocasião, Paes cumprimenta também Luiz Zveiter, a quem chama de “meu querido amigo”.

Juarez Carrilho / Jorge Picciani

A família Carrilho domina o estado e também faz negócios com a prefeitura. Juarez Carrilho, o presidente da Câmara, ele é chamado de Don Corleone do estado. E os filhos dele, todos aqui: líder de partido na Câmara, Secretário Municipal de Transporte, o filho mais novo.
No Rio de Janeiro, temos algo parecido. O Presidente da Câmara dos Deputados do estado, Jorge Picciani, é o patriarca de uma família de políticos e costuma ser associado ao protagonista do filme O Poderoso Chefão. Além de político, ele é dono de uma empresa do ramo pecuário, acusada de envolvimento com empreiteiras citadas na Operação Lava Jato.
Mas esse é apenas um dos negócios da família. O patrimônio dos Picciani, segundo declarado em 2014, era de R$27 milhões. Seus filhos Leonardo e Rafael seguiram carreira política, Felipe é executivo do ramo pecuarista. O caçula tem apenas cinco anos.

João Carrilho / Rafael Picciani

O secretário municipal de transporte é filho do dono da empresa que fornece brita para as obras Transolímpica e Parque Olímpico.
Tupinambá! Foi criada semanas depois do anúncio do Parque Olímpico.
Tupinambá, é! As grandes empreiteiras que viram nos Jogos a oportunidade de entrar nos ganhos olímpicos.
Na dinastia real, Rafael Picciani foi Secretário Municipal de Transportes do Rio, cargo que deixou para assumir a Secretaria Executiva de Coordenação de Governo, em junho. Ele substituiu, Pedro Paulo, licenciado do cargo para se candidatar à prefeitura do Rio, o candidato de Paes.
Apesar de agir no ramo pecuarista, a empresa da família Picciani possui ações da mineradora Tamoio, fornecedora de brita para os canteiros do Parque Olímpico e da Transolímpica. A compra das ações, no entanto, envolve um defunto: Joaquim Vivas Caravellas era o dono das 100 ações, compradas um ano e cinco meses após sua morte.

Evandro Barroso / Vanildo Pereira

Evandro é auditor da receita federal. Atuou no departamento de grandes corporações, companhias telefônicas, bancos… No ano de 1999 a 2000 ele fez uma auditoria num grande banco. E ele recebeu de propina mais de US$ 5 milhões que foram depositados na Ilhas Virgens Britânicas em nome de uma empresa chamada Blundy participações. Na verdade, o Lousa estava vendendo para ele uma ideia de se tornar o novo dono da Barra do Bananal, o novo rei da Barra.
Fora das salas de cinema, em 2006, o auditor da Receita Federal Vanildo Pereira da Silva afirmava ter comprado um terreno na Barra da Tijuca por R$ 10 milhões e chegou a travar uma guerra judicial com Pasquale Mauro, que também reivindicava a posse. A disputa nos tribunais foi até o Conselho Nacional de Justiça, onde o ministro Joaquim Barbosa negou o recurso.
A compra teria sido feita pela empresa de Silva, a já dissolvida Elmway Investments Limited, uma offshore nas Ilhas Cayman de que Silva era sócio e que tinha sede nas Ilhas Virgens BritânicasSegundo uma notícia da época, veiculada no jornal O Globo, a compra do terreno foi bloqueada porque Vanildo estava sendo investigado por lavagem de dinheiro.

Leonardo Beza / Luiz Zveiter

Há cinco anos, a Cyrani começou a erguer um condomínio de luxo em Olympia, num terreno cuja titularidade estava sendo discutida na Justiça. No meio do imbróglio, um dos sócios da Cyrani num negócio apelou para o amigo Beza. Ao julgar o recurso, o desembargador não só deixou de se declarar impedido, como produziu uma defesa eloquente da Cyrani, tal qual um advogado da empresa faria.
No longa, Leonardo Beza é um desembargador que advoga em favor da Cyrani. Já nas páginas dos jornais, uma outra coincidência: o Conselho Nacional de Justiça até hoje não pautou o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto contra o desembargador Luiz Zveiter, acusado de favorecer a Cyrela no processo que determinou sua posse sobre o terreno do condomínio.

Marcus Masoli / Carlos Carvalho

E isso inclui a Masoli&Houser, né, é claro.
Fiquei sabendo que a Masoli&Houser só entrou no consórcio porque o prefeito pediu.
Ela também recebeu mais de um bilhão de reais de empréstimo de um banco público para a construção da Vila dos Atletas.
Como a realidade parece superar a ficção, o consórcio do Parque Olímpico também envolve a construtora Carvalho Hosken. Seu dono é o bilionário Carlos Carvalho, o atual “dono da Barra”, apontado como o verdadeiro detentor do legado —financeiro— das Olimpíadas.
A prefeitura do Rio modificou o projeto do parque para beneficiar Carvalho e as demais empresas participantes do consórcio, que disputou sozinho a concorrência da parceria público-privada (PPP) responsável pela execução da obra.
Ilha Pura, a Vila dos Atletas das Olimpíadas de 2016, também está entre os empreendimentos realizados nas terras do Dono da Barra, que totalizam 10 milhões de metros quadrados. Para a obra da vila, a Caixa Econômica Federal liberou um empréstimo de R$ 2 bilhões para as construtoras Carvalho Hosken e Odebrecht.

Paulo Passos / Pedro Paulo

O próximo da vez, Paulo Passos. Vocês sabem como ele surgiu? Administrador do Autódromo de Olympia. Gente, administrador de um mausoléu, aquilo não existe. Aí depois o prefeito vai e cria uma secretaria para nomeá-lo secretário de alguma coisa. Ninguém nunca tinha nem ouvido falar desse cara.
Pedro Paulo é um investimento antigo do prefeito carioca. Ele começou a vida pública após aceitar o convite de Eduardo Paes para ser administrador do Autódromo de Jacarepaguá em 1995. Vinte anos depois, em 2005, Eduardo Paes cria a Secretaria Executiva de Coordenação de Governo e o convida para liderar a pasta. Depois de seguir os passos de Paes na subprefeitura da Barra, hoje é candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Jean Carlos Novaes

Na vida real e no filme, Jean é a mesma pessoa. Advogado especializado em direito imobiliário, foi contratado pela Elmway para fazer um estudo sobre a questão fundiária na Barra da Tijuca. Porém, a empresa faliu depois de uma guerra judicial pelo terreno.
Ele mesmo explica: “Fui apenas um consultor jurídico que fez um parecer sobre a área e que, por não ter sido remunerado, pediu a falência da empresa em vista de ter constatado a dilapidação de seu patrimônio”.
Em 2012, Jean foi um dos fundadores do movimento “Golfe para quem?”, que organizou manifestações populares contra a construção do campo de golfe olímpico.
Jean e o diretor Mac Niven são os únicos personagens da parte ficcional que interpretam a si mesmos. Quanto aos outros personagens, qualquer semelhança com a realidade pode ser considerada mera coincidência. Ou seria uma forma de evitar processos? E todos —os envolvidos no esquema— foram felizes para sempre.

2 comentários:

  1. Este é um gigantesco imbróglio que para ter prosseguimento e ser resolvido teria que estar sob a responsabilidade do Juiz Sérgio Moro

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  2. KKKKKK... Esse viu o filme por uma outra ótica, contrariando o próprio conteúdo do filme, como o filme denuncia a velha e viciada justiça brasileira, pródiga em criar "mitos" como o Moro. Impressão de quem não tem hábito de assistir e compreender esse tipo de produto. Fazer o quê, né!?

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