Desembargador que anulou Carandiru
mandou prender ladrão de salame
Ivan Sartori, que absolveu PMs
envolvidos no massacre de 111 presos na Detenção, condenou homem a 6 meses de
cadeia; réu alegou fome, mas o magistrado recusou o argumento e disse que
deixar o acusado solto poria em ‘risco a incolumidade pública’
Julgamento no TJ-SP. A 4ª Câmara Criminal negou 81%
dos recursos pedidos em 2014, de acordo com estudo da Associação Brasileira de
Jurimetria
O desembargador Ivan
Sartori, relator do processo que anulou os cinco júris que condenaram 74
policiais militares acusados do massacre de 111 presos no Carandiru, mandou
para a cadeia um homem acusado de furtar cinco salames de um supermercado em
Poá, na Grande São Paulo. A decisão é de julho. No caso do massacre, Sartori
foi mais longe que seus colegas: propôs também a absolvição dos PMs, mas foi
voto vencido.
Na decisão sobre o
acusado de furtar salames, Sartori também foi o relator da apelação do acusado,
Edson Castanhal Affonso. O réu havia sido condenado em primeira instância a 6
meses de reclusão pelo furto dos salames, em 2013. Segundo a denúncia do
Ministério Público, o homem escondeu os salames debaixo da blusa, na altura da
cintura. Um segurança do mercado percebeu e o deteve na rua. Levado à
delegacia, ele confessou o crime e disse “que estava desempregado e, como estava
com muita fome, acabou furtando a mercadoria”.
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A Defensoria Pública
pediu a absolvição do acusado, considerando o bem furtado, os motivos que
levaram o rapaz a praticar o crime e também o fato de ele ter confessado o
delito. Em seu voto, Sartori negou os argumentos da defesa e disse que o
acusado, que tem passagens anteriores pelo mesmo crime, é “um infrator
contumaz, que faz do crime meio de vida”. Afirmou também que “reconhecer sua
incidência em larga escala seria o mesmo que incentivar a prática de pequenos
furtos, com o escudo do Judiciário, o que não pode ser tolerado”.
Por fim, Sartori
decidiu manter a pena de 6 meses de reclusão e o pagamento de multa. Ele
completa o voto afirmando que Affonso “demonstrou desenvoltura na execução do
delito” e que sua personalidade é “distorcida”, colocando em “risco a
incolumidade pública”. “Particularidade a determinar a que seja ele segregado
do meio social.” Por ordem do desembargador, o réu cumpre pena em regime
semiaberto, no qual o preso tem direito de sair da prisão durante o dia e deve
voltar à noite.
O voto de Sartori foi acompanhado pelos
outros dois desembargadores da 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJ-SP), entre eles Camilo Léllis, que também participou do
julgamento do caso do Carandiru - Léllis foi contra a absolvição dos PMs, mas
votou pela anulação dos júris. O Estado procurou Sartori. A
assessoria de imprensa do TJ-SP informou que o desembargador não se
manifestaria.
Rigor. Responsável pela anulação dos júris do
Carandiru, a 4.ª Câmara Criminal do TJ-SP tem decisões recorrentes cujo
conteúdo é considerado rigoroso com réus comuns, dificilmente revertendo penas,
segundo criminalistas e entidades. A visão é corroborada por pesquisa da
Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que aponta a turma como a que menos
atende a apelações em toda a Corte.
A ABJ analisou em
2014 todos os acórdãos das 20 câmaras criminais do TJ-SP. A 4.ª Câmara negou
81% dos pedidos. A média das demais câmaras é de 51%. A posição da 4ª Câmara,
porém, é considerada conservadora e benevolente em casos de violência cometida
por policiais, como na decisão sobre o massacre da Detenção, em 1992.
Ex-presidente da
seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e criminalista,
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira reconheceu a fama da turma. “É composta por
magistrados muito técnicos, rigorosos e legalistas. A decisão de ontem (sobre o
Carandiru) tem um grande significado porque eles demonstraram que se
convenceram dos argumentos da defesa. De resto, não costumam ter grande dose de
humanidade.”
Diretora do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a advogada Eleonora Rangel Nacif
criticou a decisão sobre o Carandiru. “O caso que é uma das maiores violações
de direitos humanos do Brasil recebeu tratamento benevolente com os acusados
desse crime bárbaro”, disse. “A posição diverge de condenações altíssimas
impostas recorrentemente a pequenos traficantes, por exemplo, e outros crimes
pequenos. A Câmara é reconhecida por ser dura e raramente soltar réus.” Para
Eleonora, a decisão sobre o Carandiru mostra que os magistrados têm uma “visão
política alinhada com a repressão violenta das polícias”.
A opinião é
compartilhada pelo presidente da ABJ, Marcelo Guedes Nunes, que vê tratamento
diferente dado pelo grupo quando são policiais que estão no banco dos réus. “No
recurso de uma autoridade, o crime é visto como cometido no estrito exercício
da função e acaba recebendo provimento.”
Defesa de PMs elogia turma: ‘Leram o
processo’
Responsável pela
defesa de 28 dos 74 policiais militares condenados em júris, o advogado Celso
Vendramini elogiou a equipe de desembargadores, dizendo que eles “leram todo o
processo e notaram as controvérsias da acusação”. “Não é que são duros ou
rígidos, eles cumprem a lei. Estou muito feliz que conseguiram enxergar a
fragilidade da condenação.”
O defensor disse que
entrará com embargos para que o voto do desembargador Sartori, entendendo pela
necessidade de absolvição, seja analisado e atendido por dois magistrados que
poderão definir o processo. Caso não seja atendido, antecipou que irá a
instâncias superiores contestando a decisão, o que deve levar o processo a se
arrastar por mais alguns anos.
“É um caso realmente comovente e grave, mas não
podemos sair distribuindo acusações, tem de haver provas concretas. Mas, sem
saber a autoria, querem condenar por baciada.”
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