QUANTO MAIS A AMAZÔNIA ARDE, MAIS DERRETE O GELO DOS ANDES
Estudo mostra relação entre os incêndios na Åoresta tropical da Amazónia brasileira, peruana e boliviana
e o aumento do degelo nos glaciares da cordilheira dos Andes. O vento leva o carbono negro até ao gelo
Cemitério de mineiros, localizado no vale do Zongo, aos pés do glaciar, que fica a nordeste da cidade de La Paz, na Bolívia
Os incêndios na floresta amazónica,
sobretudo na Bolívia, Peru e Brasil,
podem estar a acelerar a perda de
glaciares nos Andes. O inesperado
efeito secundário dos fogos da Amazónia foi conÆrmado por uma equipa
de cientistas que analisou, pela primeira vez, o impacto deste fenómeno
no gelo da cordilheira dos Andes.
O
estudo, publicado na revista Scientific
Reports, alerta para as consequências
sociais e ambientais e de longo alcance dos problemas na Amazónia, sublinhando que não podem ser encarados com um problema regional.
“A conclusão mais importante deste trabalho é que o desmatamento da
Amazónia e as emissões de incêndios
que ocorrem principalmente na Bolívia, Peru e Brasil podem acelerar a
perda de gelo [nos Andes], aumentando o risco de uma crise hídrica e a
vulnerabilidade de várias comunidades andinas em resposta às mudanças
climáticas”, diz ao PÚBLICO Newton
de Magalhães Neto, investigador na
Universidade Estadual do Rio de
Janeiro e primeiro autor do artigo.
A equipa de investigadores analisou o possível efeito que a queima de
biomassa na bacia do rio Amazonas
já provocou (e pode continuar a provocar) no glaciar de Zongo, na Bolívia.
Para os cálculos, o trabalho usou
dados de 2000 a 2016, mas os autores
focaram-se sobretudo nas alturas
mais críticas de incêndios, em 2007
e 2010.
Contabilizaram os focos de
incêndio, seguiram o movimento do
fumo, tiveram em conta a precipitação e olharam para os dados sobre o
derretimento dos glaciares.
Tudo somado, concluíram que os
aerossóis da queima de biomassa,
como o carbono negro, podem ser
transportados pelo vento para os glaciares tropicais dos Andes. Caídos na
neve, o carbono negro e as outras
poeiras escurecem-na e, desta forma,
reduzem o albedo, ou seja, a capacidade de reflectir a luz. Por causa disso, os glaciares ficam mais vulneráveis
e derretem mais depressa.
Os cientistas estudaram diferentes
cenários, entre os quais a redução do albedo devido apenas à presença do
carbono negro ou quando o carbono
negro se conjugava com a existência
de determinadas quantidades de
poeiras. O modelo dos cientistas mostrou que apenas o carbono preto ou
as poeiras tinham o potencial de
aumentar o derretimento anual dos
glaciares em 3 a 4%, respectivamente;
ou 6% quando ambos estavam presentes. Mas, se as concentrações de
poeira eram altas (acima de cem partes por milhão), o impacto já varia
entre 11 e 13% ou, quando coincidia
com a presença de carbono negro,
mesmo até aos 14%. Newton de Magalhães Neto refere ainda que os resultados obtidos com os modelos foram
validados com medições nos glaciares
e dados de satélite. “Observamos através desses dados medidos que existe
uma relação entre a descarga de água
no gelo com a emissão de aerossóis
durante o período de queimadas, o
que indica que tal impacto é possível
de ser medido.”
“Igual ou maior” em 2019
“
As nossas descobertas fornecem
uma forte justiÆcativa para o combate às queimadas na Amazónia,
limitando o impacto destas e ao
mesmo tempo mitigando as consequências do aquecimento climático
nos Andes”, conclui Newton de
Magalhães Neto. O seu estudo não
analisou os incêndios ocorridos este
ano na região da Amazónia, mas
Newton de Magalhães Neto comenta os novos dados. “Os incêndios deste ano foram menores em relação aos incêndios que ocorreram
em 2004, 2007 e 2010. Dessa forma,
em relação ao número de queimadas, o impacto seria menor do que
o identiÆcado no estudo. Porém, um
factor importante a ser considerado
é a eÆciência do transporte atmosférico. Poderia ocorrer que o transporte atmosférico de carbono negro
fosse mais eÆciente este ano devido
a questões climatológicas. Então, o
impacto poderia ser igual ou até
mesmo maior.”
A verdade é que as queimadas que
funcionam como rastilho para os
grandes incêndios serão apenas
uma acha na fogueira dos danos
causados no gelo da cordilheira dos
Andes. A maior causa do aumento do derretimento está nas mudanças
climáticas e, mais especiÆcamente,
no aquecimento global, reconhece
o cientista. “As queimadas na Amazónia funcionam como uma força
extra que agrava a situação”, diz.
Estudos anteriores mostraram
que o carbono negro proveniente da
combustão de combustíveis fósseis
e da queima de biomassa tem acelerado o degelo no Árctico e nos Himalaias, aÆrma ainda o cientista, que
sublinha que o seu trabalho foi o
primeiro a analisar o impacto do
carbono negro das queimadas na
Amazónia que é soprado pelos ventos até aos glaciares da cordilheira
dos Andes
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