domingo, 1 de dezembro de 2019

AMAZÔNIA E O DEGELO DOS ANDES

QUANTO MAIS A AMAZÔNIA ARDE, MAIS DERRETE O GELO DOS ANDES

Estudo mostra relação entre os incêndios na Åoresta tropical da Amazónia brasileira, peruana e boliviana e o aumento do degelo nos glaciares da cordilheira dos Andes. O vento leva o carbono negro até ao gelo

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Cemitério de mineiros, localizado no vale do Zongo, aos pés do glaciar, que fica a nordeste da cidade de La Paz, na Bolívia

Os incêndios na floresta amazónica, sobretudo na Bolívia, Peru e Brasil, podem estar a acelerar a perda de glaciares nos Andes. O inesperado efeito secundário dos fogos da Amazónia foi conÆrmado por uma equipa de cientistas que analisou, pela primeira vez, o impacto deste fenómeno no gelo da cordilheira dos Andes. 

O estudo, publicado na revista Scientific Reports, alerta para as consequências sociais e ambientais e de longo alcance dos problemas na Amazónia, sublinhando que não podem ser encarados com um problema regional. “A conclusão mais importante deste trabalho é que o desmatamento da Amazónia e as emissões de incêndios que ocorrem principalmente na Bolívia, Peru e Brasil podem acelerar a perda de gelo [nos Andes], aumentando o risco de uma crise hídrica e a vulnerabilidade de várias comunidades andinas em resposta às mudanças climáticas”, diz ao PÚBLICO Newton de Magalhães Neto, investigador na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e primeiro autor do artigo. 

A equipa de investigadores analisou o possível efeito que a queima de biomassa na bacia do rio Amazonas já provocou (e pode continuar a provocar) no glaciar de Zongo, na Bolívia. Para os cálculos, o trabalho usou dados de 2000 a 2016, mas os autores focaram-se sobretudo nas alturas mais críticas de incêndios, em 2007 e 2010. 

Contabilizaram os focos de incêndio, seguiram o movimento do fumo, tiveram em conta a precipitação e olharam para os dados sobre o derretimento dos glaciares. Tudo somado, concluíram que os aerossóis da queima de biomassa, como o carbono negro, podem ser transportados pelo vento para os glaciares tropicais dos Andes. Caídos na neve, o carbono negro e as outras poeiras escurecem-na e, desta forma, reduzem o albedo, ou seja, a capacidade de reflectir a luz. Por causa disso, os glaciares ficam mais vulneráveis e derretem mais depressa. 

Os cientistas estudaram diferentes cenários, entre os quais a redução do albedo devido apenas à presença do carbono negro ou quando o carbono negro se conjugava com a existência de determinadas quantidades de poeiras. O modelo dos cientistas mostrou que apenas o carbono preto ou as poeiras tinham o potencial de aumentar o derretimento anual dos glaciares em 3 a 4%, respectivamente; ou 6% quando ambos estavam presentes. Mas, se as concentrações de poeira eram altas (acima de cem partes por milhão), o impacto já varia entre 11 e 13% ou, quando coincidia com a presença de carbono negro, mesmo até aos 14%. Newton de Magalhães Neto refere ainda que os resultados obtidos com os modelos foram validados com medições nos glaciares e dados de satélite. “Observamos através desses dados medidos que existe uma relação entre a descarga de água no gelo com a emissão de aerossóis durante o período de queimadas, o que indica que tal impacto é possível de ser medido.”

 “Igual ou maior” em 2019 “

As nossas descobertas fornecem uma forte justiÆcativa para o combate às queimadas na Amazónia, limitando o impacto destas e ao mesmo tempo mitigando as consequências do aquecimento climático nos Andes”, conclui Newton de Magalhães Neto. O seu estudo não analisou os incêndios ocorridos este ano na região da Amazónia, mas Newton de Magalhães Neto comenta os novos dados. “Os incêndios deste ano foram menores em relação aos incêndios que ocorreram em 2004, 2007 e 2010. Dessa forma, em relação ao número de queimadas, o impacto seria menor do que o identiÆcado no estudo. Porém, um factor importante a ser considerado é a eÆciência do transporte atmosférico. Poderia ocorrer que o transporte atmosférico de carbono negro fosse mais eÆciente este ano devido a questões climatológicas. Então, o impacto poderia ser igual ou até mesmo maior.” A verdade é que as queimadas que funcionam como rastilho para os grandes incêndios serão apenas uma acha na fogueira dos danos causados no gelo da cordilheira dos Andes. A maior causa do aumento do derretimento está nas mudanças climáticas e, mais especiÆcamente, no aquecimento global, reconhece o cientista. “As queimadas na Amazónia funcionam como uma força extra que agrava a situação”, diz. Estudos anteriores mostraram que o carbono negro proveniente da combustão de combustíveis fósseis e da queima de biomassa tem acelerado o degelo no Árctico e nos Himalaias, aÆrma ainda o cientista, que sublinha que o seu trabalho foi o primeiro a analisar o impacto do carbono negro das queimadas na Amazónia que é soprado pelos ventos até aos glaciares da cordilheira dos Andes


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