quarta-feira, 17 de agosto de 2016

KA PUÊRA

                     LIBERDADE E DIREITO DE SER

Por Narcimária Correia do Patrocínio Luz

Existem várias “explicações” a respeito da origem da capoeira. Gosto de uma em especial, que se refere à semântica tupi-guarani
“ka puêra”.
No processo predatório da colonização, no século XVI, as agressões à Mata Atlântica, por meio dos constantes desmatamentos para a plantação de cana-de-açúcar ou criação de gado, esgotava a vida do solo. Com esse solo esgotado, outras terras eram tomadas até a exaustão. Dessa forma, grandes clarões surgiam envoltos pela mata, e nesses nascia um capim fininho, chamado pelo povo tupi-guarani de “ka puêra”.    
Na coexistência com o povo tupi-guarani, os africanos assumem a capoeira como territorialidade primordial, dando-lhe uma característica urbana, espaço de liberdade e dignidade face à repressão da ordem escravista. São essas capoeiras que desestabilizaram cotidianamente o establishment colonial. A população de africanos provenientes do Reino do Ndongo, a atual Angola, no século XVI e início do XVII, imprime a capoeira e nela mantem os vínculos de sociabilidade das guerrilhas instituídas pela Rainha Nzinga, a Rainha Ginga ou Rainha Invísivel como destaca os relatórios  portugueses. Daí o termo ginga para se referir ao repertório do corpo em movimento na roda de  capoeira.
Pensar contemporaneamente na capoeira como uma instituição secular, causa-nos ânimo para tentar entender as tensões e conflitos do nosso cotidiano. Não estamos no século XVI, época do ciclo da cana de açúcar ou criação de gado voltado para a acumulação de capital, levando o solo à exaustão e explorando o trabalho forçado de africanos. Estamos no século XXI,
referindo-nos ao fato de crianças, jovens e adultos se sentirem agredidos cotidianamente quando não encontram as condições mínimas e necessárias para terem direito a uma educação de qualidade.
O establishment do nosso país está nas mãos de uma elite alheia a territorialidade e identidade profunda da nossa população. Tal grupo se mantém no poder, desenvolvendo ações predatórias em relação às territorialidades brasileiras. Infelizmente a Educação é um dos principais alvos dessa ação predatória!
Desse modo, temos assistido formas de insurgências contemporâneas, capoeiragens, herança dos nossos ancestrais, como as recentes ocupações das escolas em todo o Brasil, por alunos, pais e comunidades, devido ao total abandono e sucateamento que esses espaços públicos de educação há muito vêm sofrendo.
As escolas públicas e universidades tendem a ser solos esgotados, doentes e sem vida! O establishment manipula esses espaços visando atender à lógica de uma geografia civilizatória que atravessa o currículo vinculado a ideologias de cunho racista, patriarcal, homofóbico e eivado de intolerância religiosa.
Fundar capoeiras que simbolizam clarões de liberdade e dignidade nas escolas e universidades é o movimento contemporâneo nascente. Movimento que surge por meio de imponentes rodas que envolvem alunos, pais, professores e toda a comunidade. Rodas que coreografadas pela altivez, responsabilidade e compromisso de uma nova forma de pensar e fazer educação criam o jogo democrático; dramatizam a vida; contam nossas histórias e narrativas; afirmam nossas linguagens e  valores que  enaltecem nossas comunalidades.
Resultado de imagem para FOTOS DE MESTRE JOAO GRANDEMestre João Grande, legenda da capoeira angola, inspira-nos: “Sou como fruta madura que cai lentamente. Procuro terra fértil para me transformar em semente e virar fruta novamente.”

Essa é a manha, a ginga de um bom capoeira! A ideia é exatamente essa! Cair no mato! Identificar os clarões para reterritorializá-los com os valores e as linguagens que devolvem à nossa população a dignidade e LIBERDADE de  SER e VIVER.

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