sábado, 29 de outubro de 2016

YOM KIPPUR




A primeira vez que ouvi o Kol Nidrei, eu devia ter uns quinze anos. Filho de mãe católica, da catolicíssima Granada, na Andaluzia que se recristianizara radicalmente desde a expulsão dos mouros em 1492, eu não podia entender a estranha emoção que esse cântico me causava. Meu pai era agnóstico e levemente anti-clerical, mas vinha de uma mãe cristã anglicana, anglo-francesa, e de um pai cristão ortodoxo*, russo. 
Eu ouvia repetidamente a reza central do Yom Kippur sentindo arrepios até nos ossos de meu jovem corpo. Muitas vezes repeti a mim mesmo e a meus pais: não é possível que eu não seja judeu! Eles negavam, de forma tão peremptória que aumentava minha dúvida. 
Pouco depois, me encantei com o canto gregoriano, com a liturgia e a vida monástica e com o Mosteiro de São Bento, São Paulo. Acabei passando dois anos na Escola Claustral, me preparando para ser monge. Saí de lá em 1968, quando o mundo fervia e os compromissos espirituais cediam ao encanto do apelo social e político, da luta contra a ditadura, do humanismo encarnado assumido radicalmente como fé na vida. 
Passam décadas e uma de minhas irmãs descobre outros Ganzelevitch em Tomsk, na Sibéria, onde tinha nascido meu avô. Descobre também uma parte da família que tinha emigrado da fria Sibéria, há uns quinze anos, para Israel, onde foi bem recebida. 
Sim, décadas depois dos primeiros contatos com a cultura judaica, ficava demonstrado o caráter atávico de meu sentimento da adolescência. Não era possível que eu não tivesse nenhum parentesco com algo que me mexia tão fundo.

WLADIMIR GANZELEVITCH

* Com uma ressalva, porém. Na realidade, nosso avô não era cristão ortodoxo, mas judeu que nunca revelou sua origem judaica. Não esqueçamos que ele tinha nascido numa terra de pogrons e na época da tristemente famosa "affaire Dreyfus".
Dimitri Ganzelevitch

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