sábado, 22 de outubro de 2016

UFANISMO LUSITANO


UM JARDIM DA EUROPA 
A BEIRA-MAR PLANTADO



A expressão que titula este postal é sobejamente conhecida. Mais: é vastamente utilizada, sobretudo quando alguém se quer referir a Portugal com uma certa ponta de desagrado, de ironia ou de maledicência. Uma amiga, num mail de hoje, quis saber desde quando existe a frase. Seja-me então permitido dedicar esta informação à Mg. Partilho a busca feita, porque a história pode apresentar interesse para mais leitores. “Jardim da Europa à beira-mar plantado” é verso da autoria de Tomás Ribeiro (1831-1901), incluído no poema “A Portugal”, que abre o seu livro D. Jaime (1862, com 2ª edição no ano seguinte). Este poema, constituído por 15 oitavas, dá, de resto, o mote do livro no seu acentuado pendor nacionalista. 



Meu Portugal, meu berço de inocente, 
lisa estrada por onde andei, débil infante, 
variado jardim do adolescente, 
meu laranjal em flor sempre odorante, 
minha tarde de amor, meu dia ardente, 
minha noute de estrêlas rutilante, 
meu vergado pomar de um rico outono, 
sê meu berço final no último sono! 

Costumei-me a saber os teus segredos 
desde que soube amar; e amei-os tanto!... 
Sonhava as noutes de teus dias ledos, 
afogado, de enlêvo, em riso e em pranto. 
Quis dar-te hinos de amor; débeis os dedos 
não sabiam soltar da lira o canto, 
mas ... amar-te o esplendor de imenso brilho 
- eu tinha coração e era teu filho!... 

JARDIM DA EUROPA À BEIRA-MAR PLANTADO 
e louros e de acácias olorosas, 
de fontes e de arroios serpeado, 
rasgado por torrentes alterosas, 
onde num cêrro erguido e requeimado 
se casam em festões jasmins e rosas; 
balsa virente de eternal magia, 
onde as aves gorgeiam noute e dia! 

O que te desdenhar, mente sem brio 
ou nunca viu teus prados e teus montes 
ou nunca, ao pôr do sol de ameno estio, 
viu franjas de ouro e rosa os horizontes, 
ondas de azul e prata em ada rio, 
as perlas e os rubis de tuas fontes, 
nem de teus anjos - térreo paraíso - 
sentiu o magnetismo num sorriso. 

Pátria! Filha do sol e das primaveras, 
rica dona de messes e pomares, 
recorda ao mundo ingrato as priscas eras 
em que tu lhe ensinaste a erguer altares. 
Mostra-lhe os esqueletos das galeras 
que foram descobrir mundos e mares ... 
Se alguém desprezar teu manto pobre, 
ri-te do fátuo que se julga nobre! 

Tomás Ribeiro, D. Jaime, Porto, 
Ed. da Livraria Moré, 1874, pág. 3

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