sábado, 22 de outubro de 2016

MILAGRE NO CONSULTÓRIO


Resultado de imagem para CARICATURA ATRAZO DE MEDICOS
Aconteceu neste último mês de setembro, em Salvador. Tinha marcado consulta para as 8:20 com um médico anestesista. E não é que abri a porta do consultório às 8:20, “hora de relógio” ?! 
Não me controlei. Comovido, agradeci, confessando que era a primeira vez, em 40 anos, que um médico não me deixava esperar pelo menos uma boa meia-hora. Sorridente, ele revelou a informação de uma paciente: no Canadá também o horário agendado é escrupulosamente respeitado. Em Portugal, na França, Inglaterra, Alemanha, Bélgica etc., raramente um paciente espera mais de cinco minutos. Em contrapartida, quem chegou atrasado terá que remarcar a consulta. 
Perdi semanas de minha vida nas salas de espera de hospitais hostis e clínicas cínicas. 
Esperando a cardiologista, li Autoimperialismo de Benjamin Moser por inteiro (125 páginas). Me atendeu com o celular colado ao ouvido. Na segunda consulta, consegui ler 98 páginas de The orientalist de Tom Reiss: ela chegou atrasada 40 minutos... e com o celular grudado no cabelo. 
Em 2013, o negócio sendo mais complicado, dois urologistas me permitiram ler os dois livros de Juan Rulfo e Estas estórias de Guimarães Rosa (231 difíceis páginas). Urologista nunca diz bom dia e só olha seu lado coroa. O lado cara, sua cara, nunca. 
Durante as longas esperas de radioterapia, mergulhei na Comédie Humaine. Li de cabo a rabo. Ultimamente, embarcando em novas torturantes esperas, TV sempre ligada nos programas mais cretinos do hemisfério sul, tentei navegar através das 1358 tediosas páginas de 2666 do chileno Roberto Bolaño. Mas, depois da página 605 – sem ilustrações – cheguei à conclusão de que a ficção não me empolga. 
Prefiro história e biografias. Ilustrações sempre bem vindas. 
Outra conclusão: a relação médico/paciente é uma relação de força. O doutor, poderoso, atendendo com folgado atraso, se coloca declaradamente acima dos inferiorizados doentes. 
Fiel retrato de nossa sociedade herdeira da casa grande e senzala.

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