sábado, 23 de fevereiro de 2019

GRANDES FORTUNAS, GRANDES MISÉRIAS

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Um por cento da população da Terra detém mais riqueza que os outros 99%. Espantoso? Veja outro dado: hoje VINTE E SEIS INDIVÍDUOS têm rendimento equivalente ao DE TRÊS BILHÕES E OITOCENTAS MIL PESSOAS, ou seja, sua fortuna equivale à renda total da metade mais pobre da humanidade. Na fase contemporânea do capitalismo (marcada pela financeirização), a economia global apresenta uma inclinação constante e perversa: crescimento cada vez maior da desigualdade. Esta tendência não é nova, mas agravou-se de modo sinistro nos últimos quarenta anos. Massas consideráveis se empobrecem, têm seus ganhos reduzidos, perdem empregos e qualidade de vida, ao mesmo tempo em que se multiplicam os bilionários. Relatório da OXFAM informa que só no ano passado a riqueza do ínfimo grupo dos super-ricos aumentou em US$ 900 bilhões, ou seja, cresceu dois bilhões e meio de dólares por dia, enquanto a renda da metade mais pobre da população mundial teve um decréscimo de 11%. Oitocentos e cinquenta milhões de pessoas passam fome - e de fome morrem, no mundo, seis milhões de crianças a cada ano. Pode-se justificar este sistema? Cabe atribuir-lhe racionalidade, equilíbrio? É um modelo promissor este em que os papéis financeiros rendem entre 7% e 9% ano ano, enquanto a produção de bens e serviços cresce anualmente entre 2% e 2,5% apenas? Isso não sugere uma sementeira de crises? 
A hiperconcentração de renda constitui um dos problemas do modelo econômico dominante. Há outros, também muito graves. Quem tem o hábito de ler revistas científicas, quem toma conhecimento dos relatórios do IPCC - cada vez mais assustadores -, quem se informa e raciocina, quem não sofre da limitação inteletual dos beatos de Trump ou dos seus papagaios brasileiros (estupidamente dispostos a crer que o desequilíbrio climático e o aquecimento global são invenções da esquerda demoníaca, fantasias criadas por um complô socialista), quem reflete sem fechar os olhos a evidências, quem pensa, em suma, tem muitos motivos para preocupar-se com a situação contemporânea mundo. As mazelas do sistema se cruzam, pois a desigualdade tem a ver com a devastação da Terra. De acordo com a OXFAM, a pegada de carbono do 1% mais rico pode ser 175 vezes maior que a dos 10% mais pobres da população mundial. E todos sabem quem controla as grandes empresas macropoluidoras. 
Pensemos em nosso caso. O Brasil está entre os países mais desiguais do mundo. É a oitava maior economia do planeta e no ranking do desenvolvimento humano ocupa o miserável 79o lugar. Um terço da renda nacional se acha nas mãos do 1% mais rico. As SEIS pessas mais ricas do Brasil concentram, juntos, a mesma riqueza que os CEM MILHÕES mais pobres do país. O número dos carentes está a crescer: só no ano passado dois milhões de brasileiros recaíram na pobreza, engrossando um monstruoso contingente de 55 milhões de pobres. Mais de 16 milhões vivem aqui na miséria: eram 15, 2 milhões até o ano passado, quando se somaram a este grupo de vítimas da extrema pobreza mais 1,7 milhões. Todos reclamam da crise que se arrasta a três anos. Mas em plena crise, os grandes bancos distribuiram R$ 36,8 bilhões a seus acionistas. Banqueiro e rentistas em geral não apenas se mostram imunes à crise como têm lucros crescentes no decurso dela. Não dá para desconfiar? Note-se que seus altíssimos rendimentos estão livres de impostos e seus lucros se reaplicam no seu imoral cassino financeiro. É que eles têm as rédeas do governo, garantidor da desigualdade. 
A propósito, vejamos esta ponderação de Ladislaw Dowbor (Le Monde Diplomatique Brasil n. 139, fevereiro de 2019, p. 24): “O Brasil produz 6,3 trilhões de bens e serviços, o montante de nosso PIB, ao ano. Dividido por 208 milhões de habitantes, isso dá R$ 30 mil ao ano, per capita, ou seja, R$ 10 mil por mês para família de quatro pessoas, o que asseguraria o suficiente para uma vida digna e confortável. Nosso problema nunca foi a escassez de recursos, mas a burrice em sua distribuição”. Com razão, Dowbor fala de burrice e não apenas de iniquidade: a peerversa política econômica que torna o país a cada dia mais desigual representa uma séria ameaça à economia da nação como um todo; é um câncer que aos poucos a vai corroendo. 
Verifica-se hoje no Brasil um deficit de cidadania que afeta muita gente, de maneira clara em alguns casos e em outros de modo muito menos perceptível à primeira vista, ao menos para quem não dispõe de informação sociopolítica segura. Quem mora em favelas nas nossas metrópoles sente-se com razão sujeito a violência, terror e abusos de toda espécie, seja da parte de organizações criminosas, seja da parte da polícia; seu acesso a bens públicos é fortemente limitado, de forma tal que afeta a garantia de seus direitos fundamentais. Sua pobreza é um fator evidente de sua vulnerabilidade. Mas pessoas de classe de renda média que habitam áreas urbanizadas e aparentemente seguras podem verificar-se, de súbito, muito vulneráveis. Os crimes da Companhia Vale do Rio Doce vitimaram não só gente pobre como também pessoas que se imaginavam seguras, que tinham emprego e renda razoável, viviam com algum conforto. Muitas famílias com status econômico mediano establecida na periferia de perigosas barragens está agora sentindo o quanto sua condição social é de fato precária, ao ver-se, em função de sucessivos alarmes, obrigadas a deixar suas casas, seus postos de trabalho, seus espaços de lazer, as escolas de seus filhos e muitos equipamentos necessários a seu bem estar, por tempo indefinido e com com o medo a acompanhá-las tanto na remoção (em princípio provisória) quanto no (inseguro) retorno. Descobrem de súbito seu status de subcidadãos, encarando a diferença brutal entre a importância que têm para os governantes e a que estes atribuem à empresa agressora, a quem foi concedido sobrepor sua gana de lucro ao direito à vida, à saúde e à segurança de populações inteiras. Muita gente da classe média que hoje - desinformada por uma mídia controlada por setores privilegiados - aplaude a reforma da Previdência, por exemplo, pode em breve dar-se conta com amargura de que teve seu futuro tolhido e sua qualidade de vida reduzida em proveito de uma minoria: sentirá sua cidadania encolher-se e aprenderá de forma dolorosa a reconhecer as múltiplas facetas da desigualdade.


Ordep Jose Trindade Serra

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