sábado, 9 de fevereiro de 2019

OS SONHOS DA FLOR DE SANTO ANTÔNIO


A padaria de meu bairro é onde a gente encontra todos os que por lá moram ou trabalham. Tem até quem venha de longe para comprar os sonhos da Flor de Santo Antônio.
Dia desses sentei por alguns minutos à mesa da Amália
Casal com quem divido amigavelmente opiniões muitas vezes opostas. O que nunca impediu o prazer dos encontros.  Despedindo-se, ela me faz uma gentil observação sobre meus escritos sempre tão críticos. Ela tem toda razão, se bem que muitos textos como aqueles sobre Caymmi, Maysa, os blocos de carnaval da rua Direita ou os pássaros da varanda estão a mil léguas do mal humor.
Mas como ficar cego aos desmandos dos que nos governam? Alguém já pensou, por exemplo, o que seria do centro histórico de Salvador sem o empreendimento de um punhado de homens e mulheres que, teimosamente, recusam emigrar para outras partes da capital? Graças a eles temos muitas das melhores hospedagens da cidade. A Pousada do Boqueirão, o Amarelindo, Aram Yami, Villa-Bahia são hoje referências internacionais. Ultimamente o Fera Palace e o Fasano vieram consolidar esta liderança. Além da hotelaria, os mais exigentes gourmets podem sentar às mesas do muy nordestino Cuco, Mama-Bahia cuja carne é famosa, Poró, que virou um verdadeiro centro cultural, o sofisticado Pysco, a cozinha familiar do Mini-Cacique, os sorvetes do Laporte e o incontornável Villa-Bahia, considerado por muitos como um dos melhores restaurantes do Brasil. Para os que desejam curtir uma prazerosa “happy-hour” o Cafelier deveria ser tombado como patrimônio de Salvador. Evidente que minha lista de estabelecimentos de qualidade no centro histórico dificilmente seria completa sem mencionar as trufas de chocolate da Marrom-Marfim que fornecia para o Norberto Odebrecht, as quartas-feiras d´Aboca e a maniçoba dos fins de semana no secreto DVeneta. E não faltam galerias de arte e fotografias, joalharias e boutiques como a Goya Lopes, Márcia Ganem e Casa Boqueirão.
Todos estes empreendimentos são o feliz contraponto às ruínas do Ipac, puxadinhos do IPHAN, pesadas insistências dos ambulantes, extorsão de “baianas de receptivo”, “capoeiristas” e outros “candombleiros” que pedem polpuda ajuda “para o santo”, macarronadas aéreas da Coelba, desaparecimento dos azulejos do Convento de São Francisco, poluição sonora dos shows bregas, museus que abrem – quando abrem - somente algumas horas de tarde e escritórios oficiais de turismo que não têm mapas nem folhetos explicativos sobre os inúmeros tesouros de Salvador e da Bahia...
Se o turista ainda chega até nossas praças é unicamente graças ao dinamismo de nossos empresários. Grandes e pequenos.

Pronto! Lá vou eu reclamando de novo. Amália tem toda razão.

Dimitri Ganzelevitch
A Tarde 9 fevereiro 2019

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