Escavação encontra parte da fachada e escadarias do Teatro São João
Projeto que transforma local em sítio arqueológico e praça para pequenos shows sai no próximo mês, diz prefeitura
Dá até para imaginar as carruagens luxuosas deixando senhoras e senhores à porta. Mais de 200 anos depois da inauguração de um dos maiores espaços culturais que o Brasil já teve, eis que o esqueleto do Teatro São João da Bahia ressurge em forma de ruínas. Parte da fachada e as escadas que davam acesso ao foyer, depois que se ultrapassavam uma das suas três portas, foram encontradas nas escavações das obras da Praça Castro Alves, no Centro.
O único testemunho material da existência de um dos principais prédios da história de Salvador deve fazer parte de um projeto de adaptação da prefeitura, que realiza a obra desde a Avenida Sete de Setembro. A ideia da Fundação Gregório de Matos é criar um espaço que utilize a estrutura da antiga fonte encontrada em escavações no final doe 2019 como um palco para pequenos shows. Além disso, um sítio arqueológico com as ruínas da fachada do São João, fariam parte do mesmo ambiente e estariam ali para serem tocadas e contempladas.
“Tirando o Carnaval e alguns eventos pontuais, a Praça Castro Alves é pouco utilizada. Tem uma vista linda. Nossa ideia é fazer um projeto que movimente este lugar”, afirma Nivaldo Vieira de Andrade, professor da Faculdade de Arquitetura da Ufba, que vai elaborar o projeto da prefeitura. “Vamos agitar esse lugar o ano inteiro. Não seria um espaço para mega shows. É um palco pequeno. Esse seria um uso adequado. Até porque o palco está ali, pronto”, diz presidente da Fundação Gregório de Matos (FGM), Fernando Guerreiro, apontando para a fonte descoberta antes da fachada. “Pensei em chamar palco dos poetas”.
Já a Fundação Mário Leal Ferreira informou que o projeto deverá ser concluído em fevereiro. Durante o Carnaval, a área será cercada por tapumes e não deve atrapalhar a festa. Inicialmente, acreditou-se que a nova estrutura seria apenas as fundações do teatro. Depois, chegou-se à conclusão que é a fachada e as escadarias que davam acesso ao foyer. “Foi encontrada a parte de baixo da fachada, que era enorme e tinha dez ou 12 metros de altura. Você tem revestimentos de pedra da fachada e as escadas. As pessoas chegavam por ali, entravam por uma dessas três portas, subiam as escadas e esperavam no foyer”, descreve o arquiteto.
Discussão
O uso que se pretende dar às descobertas não chega a ser uma unanimidade. O professor de Teoria, Crítica e Projeto de Arquitetura da Ufba, Márcio Campos, diz que não vê sentido em colocar os achados para contemplação. “Caso não sejam enviados a um museu, a melhor forma de proteger é cobri-los novamente, o que acontece com 90% dos achados arqueológicos do mundo. Salvador não é Roma”, pondera Marcio Campos.
O uso que se pretende dar às descobertas não chega a ser uma unanimidade. O professor de Teoria, Crítica e Projeto de Arquitetura da Ufba, Márcio Campos, diz que não vê sentido em colocar os achados para contemplação. “Caso não sejam enviados a um museu, a melhor forma de proteger é cobri-los novamente, o que acontece com 90% dos achados arqueológicos do mundo. Salvador não é Roma”, pondera Marcio Campos.
O historiador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Jaime Nascimento, concorda que a estrutura precisa ser preservada, mas sugere que o projeto seja discutido com conselhos, vereadores e a população. “No meu entender tudo o que foi achado tem que ser mantido. Mas a cidade tem um conselho de cultura e uma população. O melhor caminho é discutir”, observa Jaime, que realizou trabalho de mestrado sobre o São João.
“Fico alegre e triste ao ver essas ruínas. Alegre pelo achado incrível e triste por perceber que não havia necessidade de demolir o teatro. Como se vê, a caixa do teatro está mantida”, observa o historiador. O arqueólogo coordenador da obra, Cláudio Silva, defende a incorporação das estruturas a um projeto da praça. “Tem que dar uso pra isso. Não só para ser contemplado, mas para ser tocado. Incorporar isso ao dinamismo da praça”.
O Teatro São João é um dos edifícios mais importantes da história de Salvador. Dos monumentos destruídos, junto com a Igreja da Sé, talvez seja o mais importante. Por mais de 110 anos, por ali passou a vida cultural e social de Salvador. Foi o primeiro prédio a ser construído para ser teatro. Nasceu como um dos maiores das Américas. Tinha capacidade para 2 mil pessoas. “Imagine o que eram 2 mil pessoas em 1812. Hoje a sala principal do Teatro Castro Alves comporta apenas 1,5 mil pessoas”, compara Nascimento.
O início da construção do Teatro São João se dá em 1806 e é concluído em 1812. O poeta Castro Alves tinha apenas sete anos de idade quando pôs os pés nele pela primeira vez. Depois, a casa se tornou um dos ícones da cidade, com recitais do próprio Castro Alves e apresentações históricas como a do maestro Carlos Gomes. Também foi o último lugar em que ele teria recitado, em julho de 1871. Por isso, a praça passou a se chamar Castro Alves. Um incêndio o consumiu em 1923.
Fonte
Antes de ser localizada partes da fachada e escadarias de acesso ao teatro, encontrou-se uma estrutura que já se acreditava que fosse do São João. Especulou-se ser desde o palco até um chafariz que ficava na sua área externa. Depois de alguma pesquisa, a prefeitura diz ter chegado a uma conclusão. Segundo Nivaldo Andrade, trata-se de uma antiga fonte d´água. Essa, porém, teria sido construída no governo Góes Calmon, depois da demolição do São João, após um incêndio em 1923.
Antes de ser localizada partes da fachada e escadarias de acesso ao teatro, encontrou-se uma estrutura que já se acreditava que fosse do São João. Especulou-se ser desde o palco até um chafariz que ficava na sua área externa. Depois de alguma pesquisa, a prefeitura diz ter chegado a uma conclusão. Segundo Nivaldo Andrade, trata-se de uma antiga fonte d´água. Essa, porém, teria sido construída no governo Góes Calmon, depois da demolição do São João, após um incêndio em 1923.
“Surgiram teorias mirabolantes. Até o palco se falou que podia ser. Mas aqui era o fundo da plateia, ou seja, próximo à entrada do teatro. Como não poderia existir uma fonte dessa dentro do teatro, essa fonte foi construída depois do São João demolido”, explica o arquiteto, que aponta outro elementos da fonte que são mais modernos que o teatro. “Descobrimos que essa estrutura é de 1926, 1927. Não havia mais teatro. Ela é feita de... pintada em escaiola, uma pintura que imita pedra. O piso também é um ladrilho hidráulico que só existe no século 19 e século 20”.
O chafariz, que alguns apontavam ser a estrutura, foi removido do local quando o São João foi demolido. Ele realmente ficava na praça, mas próximo de onde é hoje a estátua de Castro Alves. Acabou transferido várias vezes para diversos pontos da cidade. Hoje, se encontra na Praça Lord Cochrane, na Avenida Garibaldi, e sustenta uma estátua de Cochrane, que substituiu uma de Cristóvão Colombo.
Opiniões sobre o achado e seu uso
- Zaqueu Astoni (Secretário de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto)
Um projeto que contemple um achado como esse tem que ter duas premissas. A primeira é a consolidação das ruínas, preservando o conjunto para que não tenha nenhuma perda, compatibilizando a preservação com a utilização do espaço, para que não se torne morto. Me parece interessante o projeto que a prefeitura visualizou para o local. Um bom projeto executado junto a uma ruína preservada vai ficar muito bonito. Se isso ainda aproximar a população pode ser ainda melhor. Isso é muito utilizado na Europa. Considero uma descoberta esplêndida, um vestígio material da existência de um teatro. Para nós, em Ouro Preto, o teatro é um tema muito caro. Aqui temos um conjunto arqueológico enorme. Discutimos sempre em cima da preservação, gestão e aproximação da população. Não adianta ter um bem como esse se a comunidade não se apropriar dele.
- Márcio Campos (Professor de arquitetura da Ufba)
Ruínas do Teatro São João não ensinam nada sobre o espaço urbano que já não soubessemos. Temos a desastrosa experiência das “ruínas da Sé”, servindo de barreira no meio da praça. Estes achados podem passar pelo mesmo processo de 90% dos achados arqueológicos do mundo, que é o de registrar, catalogar, proteger mecanicamente, e voltar a ser cobertos. A melhor forma de protegê-los é cobri-los novamente, caso não sejam enviados a um museu. Ao se dar tanta importância a um achado, pode-se estar afirmando que mais importante do que preservar é, mais adiante, descobri-lo como arqueologia. Essa ideia está latente em toda esta valorizacao de arqueologia numa cidade tão nova. Pode ser visto também uma compensacao: a gente não cuida nem preserva o patrimônio histórico, mas as ruínas arqueológicas, sim!
- Maria Antônia Gomes (Historiadora com doutorado sobre o Teatro São João)
É um espaço que deve ficar aberto ao público, com as pessoas interagindo. Na verdade, já está virando ponto turístico. As pessoas já fazem fotos. Tem que ser um ponto de encontro entre as gerações. As novas estruturas encontradas batem direitinho com o que se imaginava do teatro. De fato, ali se trata da estrutura do São João. Com um detalhe, ali ficava uma das muralhas que cercavam a cidade na sua fundação, ainda no século 16. Era a da porta sul, “às portas do São bento”. Ali é um sítio riquíssimo em termos de achados. Quando se foi fazer a fundação do teatro, em 1806, se encontrou as muralhas e aquelas pedras enormes. É provável que existam até pedras que tenham sido usadas na construção. Não se pode descartar a ideia de que até vestígios das muralhas da fundação de Salvador estejam nesse novo achado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário