domingo, 6 de março de 2022

ESPERANDO O CARNAVAL


Paulo Ormindo de Azevedo

Não tivemos festa este ano, mas estamos no país do Carnaval, como escreveu Jorge Amado, em 1931. Vivemos em um país lindo, como disse Afonso Celso, com um povo cordial, segundo Sérgio Buarque de Holanda e em uma democracia racial (Gilberto Freyre). Na escola primária cantávamos que o Brasil estava “deitado eternamente em berço esplêndido/ Ao som do mar e à luz do céu profundo[...]Teus risonhos, lindos campos têm mais flores/ Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida, no teu seio, mais amores”
Apesar da beleza dos nossos campos, corrimentos de terra em Petrópolis mataram 232 pessoas. Em Brumadinho, em 2019, uma represa de lama da Vale matou 270 pessoas. Até hoje nenhuma família recebeu sua casa. Todos os anos milhares de pobres perdem suas casas. Acidentes naturais? Não, incúria das autoridades e ganância dos especuladores imobiliários. Números relativamente baixos, pois em 2021, a polícia matou 6.416 pessoas, 78% negros. Este é o cenário da nossa guerra intestina, mas as TVs preferem mostrar conflitos no exterior.
No ginásio pintávamos com orgulho a Aquarela do Brasil, de Ary Barroso: "Esse coqueiro que dá coco/ Oi, onde eu amarro a minha rede/ Nas noites claras de luar/ Oi, essas fontes murmurantes/ Onde eu mato a minha sede/ Onde a lua vem brincar/ Esse Brasil lindo e trigueiro/ É o meu Brasil brasileiro/ Terra de samba e pandeiro".
Não produzimos trigo, mas somos o celeiro do mundo, embora 19 milhões de brasileiros passem fome. Cerca de 40% dos trabalhadores são informais e temos um déficit de seis milhões de moradias. Calma, não se preocupem, o Rio de Janeiro continua lindo e a Bahia é a terra da felicidade, porque temos fevereiro.
- "Moro num país tropical, abençoado por Deus/ E bonito por natureza (mas que beleza!)/ Em fevereiro (em fevereiro)/ Tem carnaval! (tem carnaval!)/ Eu tenho um fusca e um violão"... canta Jorge Benjor.
Enchentes são controláveis com represas, que geram energia e irrigação, como Recife e Cachoeira controlaram as cheias. Alagamentos de casas e avenidas seriam evitáveis se tivéssemos planejamento urbano. Corrimentos de terra, que matam centenas de pessoas anualmente, poderiam não ocorrer se não se permitissem construções em encostas instáveis. Ao contrario do planejamento, é a maquiagem urbana e o circo que geram votos.
Em 1941, um exilado judeu austríaco, Stefan Zweig, criou o epíteto "Brasil, país do futuro". O tempo parou no Brasil. Continuamos a ser um país agrícola e exportador de riquezas minerais, como durante a colônia. Exportávamos açúcar refinado, ouro e diamantes, hoje trocamos por soja in natura e minério de ferro sem valor agregado.
Cerca de 80 anos depois, continuamos deitados em berço esplêndido esperando o futuro chegar.
"Alô, alô, Realengo/ Aquele abraço/ Alô torcida do Flamengo/ Aquele abraço!" (Gil).
SSA: A Tarde, 06/03/2022

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